Em minha visão particular, diria que Carlos era o exemplo de um homem feliz. Soube amar e ser amado. Além de nortear a existência por princ...

O cronista de Deus e da Natureza

Em minha visão particular, diria que Carlos era o exemplo de um homem feliz. Soube amar e ser amado. Além de nortear a existência por princípios que deram sentido e densidade a todos os seus dias. Podia descobrir, no menor fato do cotidiano, um grande acontecimento e assim alimentar constantemente sua alegria de viver. Sem dúvida, encontrou “a paz do coração” que, segundo Platão, “é o paraíso dos homens”.

Desde que o conheci, admirei nele essa postura sábia diante da vida. Refletida sempre no rosto iluminado por um suave sorriso de acolhimento, a sintetizar o propósito maior da transcendência de ser, no minimalismo de cada gesto.

A crônica se ajustou, com toda propriedade, à peculiar visão de mundo de Carlos Romero. Esse gênero jornalístico que, pela qualidade estética da linguagem, se equiparou à criação literária foi sua tribuna, a linha de frente escolhida para a constante participação na cena histórica e cultural onde imprimiu seu nome de cidadão e de escritor.

Quando convocado e eleito para a APL, na presidência do professor Afonso Pereira, a crônica era sua expressão de destaque. Carlos acumulava, em sua história de vida, interesses culturais diversificados. Além da dedicação ao jornal, onde sedimentou seu traço narrativo e literário, empenhava-se na divulgação da música erudita, sua grande paixão. Foram atividades de que não se afastou durante toda a existência.

Embora a experiência de Magistrado ou de Professor lhe possibilitasse outras formas de expressão, a narrativa curta, de grande poder comunicativo apresentava as características compatíveis com seu projeto existencial. Projeto que o escritor parecia reiterar a cada palavra: “Estou preso à vida e olho meus companheiros”. Projeto que, através da fé e do encantamento lírico, buscava alcançar “o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”.

Recorro aos versos de Drummond para dizer, com toda convicção, que nosso cronista de Deus e da Natureza, incluindo também a humana, escrevia por uma necessidade vital. Seria um equívoco imaginar que sua intensa participação na imprensa decorreu da longevidade. A ordem é exatamente inversa. Estar sempre ligado à vida em todos os seus desdobramentos foi o segredo de sua resistência, a força que alimentava sua energia extraordinária.

Simplicidade, clareza e humor, diria que sobre estes pilares se erguem as construções líricas de Carlos Romero. Com a mesma leveza das nuvens que desenham alegorias nos céus do verão.

Drummond, o grande poeta, que o distinguiu com mensagens de apreço, estabeleceu em pólos complementares a qualidade alcançada pelo cronista paraibano: “acessibilidade da linguagem a serviço de um pensamento lúcido”.

Desde as primeiras publicações, a opção estética pela linguagem coloquial fixava as bases para a construção do estilo que iria caracterizá-lo. Lembrando sua formação jurídica e a prática no exercício da Magistratura, onde a rigidez formal é a regra, surpreende o nível de despojamento que atinge na expressão literária. Um exemplo bem convincente de quanto a marca distintiva do escritor exige consciência e trabalho. Com um tanto de vocação.

Carlos faz do coloquial e da oralidade recursos de aproximação e de convencimento. Transforma o leitor em interlocutor, com tanta espontaneidade que, às vezes, esquecemos o real da leitura e temos a sensação de viva voz, no apelo de seu vocativo.

Se a crônica é de viagem, somos de tal forma envolvidos pelo movimento da descrição, pelo detalhamento do relato, que embarcamos com ele no percurso imaginário. E as realidades sentidas só com o imaginar parecem mais nossas do que a própria vida.

É esse o poder do escritor. Um poder demiúrgico. De encantamento através da palavra, sua ferramenta de magia.

Excertos do discurso em homenagem póstuma da Academia Paraibana de Letras

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. O relato de Ângela descreve uma figura ímpar, iluminada, alem de excelente cronista que foi Carlos Romero. Bonita homenagem, Ângela!

    ResponderExcluir

leia também