O grande trunfo do mais famoso cineasta sueco de todos os tempos – Ingmar Bergman (1918-2007) – sempre foi o rosto humano. Seus close ups...

Bergman e nossas máscaras

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O grande trunfo do mais famoso cineasta sueco de todos os tempos – Ingmar Bergman (1918-2007) – sempre foi o rosto humano. Seus close ups dos mais variados atores e atrizes, que com ele trabalharam em sua longa e prolífica carreira, equivaliam a dizer, vulgarmente, que as faces eram os espelhos da alma. Nunca as expressões faciais dos atores (demonstrando medo, angústia, hesitação, dúvida) tinham sido mostradas com tantos detalhes no cinema. Em entrevista ao renomado
crítico norte-americano Roger Ebert (laureado com o Pulitzer), o sueco diria:

“O rosto humano é o grande sujeito do cinema. Ali está tudo”.

A filmografia de Bergman tem filmes relevantes em sua lista, sobejamente aclamados pela crítica: Morangos Silvestres, O sétimo selo, Gritos e sussurros, Fanny e Alexander, entre outros. Persona, entretanto, parece ser o que mais sintetiza o universo bergmaniano: nele enxergamos os temas recorrentes em quase toda a obra do diretor, profundamente marcada pela sondagem psicológica dos personagens (angústia existencial, busca de uma identidade, incomunicabilidade, medo, sonho e pesadelo, desejo castrado, culpa ocasionada pela incompreensível moral cristã – o pai de Bergman foi um rígido pastor luterano).

O filme é bastante provocativo (tem uma intrigante edição de imagens em seu início) e permite várias leituras, inclusive a literal, em que pese a confusão provocada pela montagem em alguns espectadores. Em resumo, basicamente, o enredo trata de um bloqueio de fala que a atriz Elisabeth (Liv Ullmann, perfeita, sem falar nada e usando apenas expressões faciais) tem no meio de uma apresentação da peça Electra. Bloqueio de fala proposital, diga-se de passagem, uma vez que é um ato totalmente voluntário da atriz, cansada das mentiras do mundo da linguagem verbal.

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Uma psiquiatra acredita que pode ajudá-la, desde que Elisabeth e a enfermeira Alma (Bibi Anderson, impressionante) passem o verão em uma casa isolada em uma ilha. Aí começa o tour de force entre as duas atrizes/personagens: Elisabeth não diz nada, ao passo que Alma fala sem parar! Percebemos que o filme inteiro será um torturante monólogo – no bom sentido, é claro. Aos poucos, detalhes da vida de cada uma são revelados – entre eles, um aborto e uma criança que nasceu deformada e foi rejeitada pela mãe. A princípio, temos a impressão de que Elisabeth (justamente a que emudeceu) parece ser a mais forte das duas. O envolvimento tão próximo entre elas nos sugere uma forte atração física.

À medida que Alma vai se despindo de suas cascas, podemos sentir que ela vai abandonando sua própria “persona”: sua identidade “concebida”, sua máscara diante do mundo, que começa a ruir diante das mentiras e enganos que dão sentido à sua vida. Há cenas famosas que nos marcam para sempre: para demonstrar sua visão da identidade em vias de decomposição, em um dos clímax do filme, o diretor funde, de forma inusitada, o rosto das duas em uma
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famosa imagem aterrorizante (ponto para o gênio da fotografia Sven Nykvist e sua longa parceria com Bergman); em outro momento, Alma nos entrega um monólogo forte e erótico em que narra um episódio de sua vida ocorrido em uma praia, onde ela, uma amiga e dois jovens fazem sexo – a interpretação de Bibi Anderson é tão real que é como se estivéssemos assistindo a tudo!

Magnífico e sombrio poema visual sobre a alma humana, Persona foi um dos filmes-chave dos anos 60 que não se perderam no tempo e até hoje nos impressionam. Carregado de significados (atente para o menino que procura o rosto de uma mulher – sua mãe? –, em uma das memoráveis e dolorosas cenas do filme), é uma obra que causa inquietação, dúvida e questionamento em quem a visita. Que saída cada uma das mulheres escolherá para sua vida? Será o emudecimento, ou seja, a negação da própria linguagem e da comunicação, uma forma de recomeço? Alguns filmes de Bergman envelheceram com o tempo, tornando-se datados e enfadonhos. Persona, no entanto, em tempos de pós-modernidade, assume um caráter visionário, se levarmos em consideração a época em que foi produzido. A linguagem utilizada pelo cineasta já estava à frente de sua época. Além disso, as grandes obras de arte viscerais perguntam mais do que respondem.


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