O que dizer daquelas almas artísticas mais operosas, abundantes na história da Arte ocidental e que, mais do que avanços artísticos, firma...

A visão das baleias douradas

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O que dizer daquelas almas artísticas mais operosas, abundantes na história da Arte ocidental e que, mais do que avanços artísticos, firmaram marcos civilizacionais que até hoje, representam um legado cultural de quase transcendência, encerrados que estão em grandes museus quais ícones em templos sagrados, enfileirados em seus nichos e à espera dos indecisos fieis que venham preencher parte do vazio deixado em suas almas por um cristianismo soterrado de contradições? De Giotto a Grunewald, dos Brueguel a Reembrandt, passando por Ticiano e Velásquez, para citar alguns, é razoável supor terem esses abnegados, em algum momento de seus percursos de aprendizado para os cúmulos da maestria, formatado internamente seu amálgama de conceitos pelo somatório de um conjunto de impressões sobre tendências gerais traduzidas e personalizadas, e intimamente acrescidas de novas contribuições subjetivas, fazendo brotar através das referidas obras, num jorro de lava, fulgor mais ou menos incandescente, e esse processo, condensado numa crisálida formal, eclodido para tornar-se o novo basalto, a nova matéria e plataforma atualizada de um novíssimo trato civilizatório.
Alberto Lacet
Quando nada, em casos menos espetaculares, terá soltado fagulhas, espocado inofensivas bolhas ou pequeninos projéteis pelo espaço em volta, contanto que realimentassem, pelo lado externo do espírito – na Praça das Almas – a tocha intuitiva do que já era então uma inadiável, vital e impositiva necessidade de ordenação simbólica do progresso histórico – extensivo à comuna, à vida coletiva.

Não importa quão adocicadas venham a ser essas obras, poética, musical ou plástica, quão ásperos ou intrigantes sejam os signos impressos pelas diversas linguagens assomadas no caminho da partitura sagrada ali tomada por determinada criação artística. Importa, isso sim, os quanto intransigentemente belos e significativos possam ser alguns desses projéteis nascidos da semente intuitiva. Ontem como hoje, muitos hão de ser certamente inócuos, senão despretensiosos, silenciosamente decorativos e mesmo mudos diante dos dramas humanos vividos pela sociedade na qual insere-se, outros poderão estar apontando caminhos e possibilidades, revelando potencialidades adormecidas ou apenas alertando para os marasmos ou retrocessos de consciência ou de percepção. Entenda-se aqui a expressão Progresso Histórico como saber evolutivo, e que, ao final, se desvelará em simultâneo com os avanços tecnológico, material e conceitual, dele decorrentes, quando, para que tal ocorra, imprescindível que esses laivos de criatividade, em seu ímpeto, passem antes de qualquer coisa por crivo estético, numa operação cambiável através dos sentidos de toda espécie biológica, cuja ordenação perceptiva se contém dentro dos inevitáveis parâmetros morfológicos de natureza cartesianos, áuricos, intervalares, simétricos, geométricos, complementares, tonais, atonais, quentes, frios, altos, baixos, etc, um conjunto de marcos norteadores da percepção, e que, por isso mesmo, são uma espécie de planta baixa da racionalidade antropológica, em sua busca por níveis harmônicos
Alberto Lacet
que englobem a sintaxe de um discurso que fala e traz plenitude ao aparato sensível, quando o que entendemos por belo se porá num patamar atrativo de foco sobre si, seduzindo seu entorno e se tornando assim uma espécie de carícia para os mais sensíveis, ou por outra, uma aguda inflexão aliciadora de alguém talvez indistinto na massa indiferente, e aqui e ali, podendo mesmo chegar a enternecer por breves momentos as almas ímpias, de coração mais duro.

No exato instante em que uma manifestação ontológica ocorre pelo lado endógeno (individual) da alma coletiva, outra, exógena, rebenta socialmente e pode sobressair-se como forma de apropriação indébita e politica desse fenômeno absolutamente natural da história humana, que é a Arte. Porém o mais difícil em quaisquer dos casos citados, serão as realizações artísticas conseguirem escapar da sanha exploratória e regente dos poderes terrenos.

É o que se vê por toda história da Arte, quando inúmeras formas de organização religiosa acabaram se impondo sobre fazeres artísticos no intuito oportuno/midiático de legitimar o domínio dinástico/familiar/religioso sobre a massa desprotegida, para tanto dignificando e endossando aquela tão recorrente fabulação de parentescos divinos atribuídos a membros do clã no poder. De Akhenáton a Caio Júlio César, o posto de sacerdote supremo sempre se mostrou um gancho de poder bastante eficaz sobre a sociedade, convicção inerente aos poderosos e rapidamente disseminada pelo mundo antigo, de forma a que os artistas mais habilidosos do antigo Egito fossem requestados para esculpir máscaras mortuárias como a de Nefertiti, hoje no Museu Egípcio de Berlim.
Alberto Lacet
A carta de Leonardo da Vinci oferecendo seus serviços a Ludovico Sforza, duque de Milão – um interminável fabricante de guerras –, é outro ponto baixo da renascença que rivaliza com o do outro genial Miguel Ângelo emprestando seus serviços ao belicoso e saqueador papa Júlio II.

Porém a subserviência desses dois talentos artísticos a líderes historicamente sinistros como esses – de comum entre os dois a coincidência de terem o seu "Waterloo" por, justamente, encetarem guerras contra seus ex-aliados franceses – encontra parte de sua explicação nos séculos de pobreza que os antecederam, dos quais, naquele momento, agônicamente tentavam sair, surfando na onda do capital financeiro representado por banqueiros mediterrânicos – Cosimo de Médici foi o primeiro – que ousaram enfrentar o delimite usurário imposto pelo papado, e, com ele, o capitalismo privado voltava a botar suas unhas de fora na península itálica, como fizera 1500 anos antes em Roma, ao promover à cúpula do primeiro triunvirato o financista, mecenas e promoter de cargos públicos Licínio Crasso. Numa guerra mal declarada e de muitas facetas, o mecenato dos Médicis estimulou de maneira decisiva um retorno estético ao cânon greco-latino, numa estratégia que se revelaria muitíssimo bem sucedida de arruinar a hagiologia fria e estática que preponderava sobre a Arte bizantina, e assim, provocar uma rachadura letal no monólito de poder e riqueza acumulados pela Igreja desde os séculos iniciais da Alta Idade Média.

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  1. Belissimo texto caro Alberto Lacet..o qual tivemos a grata oportunidade de conhecer..graças ao seu amigo/editor Germano Romero.
    Paulo Roberto Rocha

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