Pretextei uma consulta para rever, conversar, nem tanto com o médico que me atura há décadas, mas o cultor sensível da paisagem humana e cultural da João Pessoa que ele adotou desde a passagem pelo nosso Liceu, vizinho de carteira e parceiro de cineclube de Martinho Moreira Franco.
- Nosso Martinho... não é, Gonzaga!
Não havia outro modo de nos rever senão o exclamativo. Jaime (falo de doutor Manuel Jaime Xavier Filho), como eu, não deve ter ido se despedir do amigo de tantas afinidades.
Ficamos sem palavras, um instante, apenas, mas de um sentido e denso instante. Ele deixa a sua cadeira e se aproxima ao perceber minha dificuldade de audição.
E é ele, ainda, que rompe o silêncio de dois compenetrados, trocando Martinho por Augusto dos Anjos. E com a veemência de quem viu de perto ou de quem foi conferir além dos livros, o zelo, o amor, o alimento com que outros povos, outras nações reverenciam os seus heróis, doutor Jaime me pergunta:
- Por que a Paraíba ainda não ergueu um monumento à altura de Augusto dos Anjos? Que outro poeta maior tem o Brasil?
Engasguei. Até hoje não sei. Por milagre subsiste o busto perfeito que a Associação de Imprensa e a Academia Paraibana de Letras conseguiram erguer, nos anos quarenta, ao lado de um tamarindo plantado para esse fim no Parque Solon de Lucena. Na última reforma feita no parque, restituído ao passeio público, o pequeno monumento, livre do estacionamento de carros, ganhou visibilidade e um aceiro mínimo, um anel de grama ao rés do chão. O povo, que elegeu o poeta como o paraibano do século, o vem respeitando. Não leva flores, como os russos aos seus heróis, mas o mantém intacto, diferente do busto que deram a Camilo, na balaustrada, arrancado do pedestal até hoje.
Esse desprezo pelo que temos de melhor, de mais alto e eterno, como Augusto, vem de longe. E da elite, dos que chegaram ao poder, mesmo não sendo incultos.
Em “Dias Idos e Vividos”, Zé Lins narra o espanto de Gilberto Freire, numa visita que fazia ao arcebispo D. Adauto, diante da estátua majestosa plantada no terreiro do Palácio do Carmo. “Gilberto queria saber quem era o grande homem do monumento e eu não sabia. A custo o identificamos. Tratava-se do general Álvaro Machado, políticos dos começos do século, antigo governador do Estado. O outro irmão governador achou natural que lhe dessem a eternidade. Então meu amigo me perguntou: ‘E para Augusto dos Anjos, o que vocês daqui fizeram?”
Ante a altura de Augusto, como reclama Manuel Jaime, a dívida continua. A Academia, por iniciativa de Luiz Augusto Crispim, deu início a um memorial que hoje ocupa duas pequenas salas da casa colonial. Ocorre que o poeta que o visitante traz na cabeça merece muito mais, o memorial não é o que ele esperava, limitado a simples reprodução de fotografias captadas de livros, a algumas edições do EU e da bibliografia crítica.