Conheci Walter Galvão aos poucos: primeiro de nome, depois por telefone e só por último pessoalmente. De nome, porque na aldeia seria impossível alguém que lesse jornal não conhecê-lo, ele que não só escrevia como editava, transitando entre os diários da capital com uma competência que era toda sua. Por telefone, quando iniciei minha colaboração quinzenal no Correio da Paraíba, de que ele era então editor. Pessoalmente, já não lembro exatamente quando e onde, tendo me chamado a atenção seu físico franzino, até mesmo frágil, que tinha tudo a ver com a doçura de sua voz gentil e tímida.
Impressionou-me muito a voz de Walter ao telefone. Aquela surpreendente voz suave para mim era reveladora da qualidade da personalidade e do caráter de seu dono. Só podia ser. Era uma voz que acolhia o outro, abraçava o outro, deixando-o inteiramente à vontade, como costuma acontecer com os espíritos elevados, que se nivelam com o interlocutor, não importa quão inferior este seja. Voz de fidalgo. Walter atendeu minha hesitante ligação de colaborador desconhecido e nunca mais deixei de querer-lhe bem, mesmo que à distância, já que nunca tive a oportunidade e o privilégio de ser-lhe próximo. Certamente, tivesse tido essa honra, mais ainda admiraria sua pessoa e seus talentos.
Poderá algum espírito de porco objetar que esses elogios todos são comuns nos necrológios. Serão mesmo? Nem sempre, creio eu. Há muito obituário econômico de louvores, exatamente porque o morto deixa a desejar, não é nenhuma Brastemp, como se diz. Mas com Walter, não, todo aplauso será pouco. E o perigo será o da repetição dos encômios, risco sempre presente nos casos de unanimidades consumadas.
Vem-me à mente e ao coração nesta hora o vazio deixado por Luiz Augusto Crispim no fatídico 6 de dezembro de 2008. Assim como Walter, deixou-nos muito cedo o cronista do Eu e outros arrecifes. Ambos tinham ainda tanto para dar. E ficamos todos privados do futuro que a eles foi negado, ambos levados pelo mesmo mal implacável, esse cego ceifador cruel.
Essa fidelidade de Walter ao marxismo é admirável. Na realidade, se pensarmos bem, trata-se menos de uma fidelidade a Marx que a si próprio. Permanecendo fiel ao pensamento do autor de O capital, Walter manteve-se leal a ele mesmo, já que o alemão foi parte constitutiva e indissociável de seu instrumental teórico, seu modo particular de enxergar o mundo e suas mazelas. Essa lealdade intelectual é sobretudo corajosa e mostra muito do caráter de Walter, nestes tempos posteriores à extinção da U.R.S.S., em que, pelo menos aparentemente, o marxismo tem sofrido reveses.
É um clichê afirmar que ele fará falta, mas é assim, quase sempre, que a verdade se expressa quando partem pessoas de reconhecido valor. Que seja. Na cena pública, farão falta o texto e a atuação do líder cultural. Ao telefone e presencialmente, a voz doce e distinta de um ser humano muito especial. Por isso, saudades, Walter. Desde já.