Leonardo, velho amigo Léo, antigo parceiro de sinuca e de paquera, únicos jogos que nos levavam a campo, surge como fantasma perdido, com ar de assombro, saindo de uma agência da Caixa, na Torre. Ele me viu primeiro e gritou por trás dos óculos, reconhecendo-me.
Ah quanto tempo, hem Léo!
Vínhamos da noite, descíamos do bonde na esquina da Juarez Távora com a Maroquinha Ramos, onde, uma casa depois da outra, nos recolhíamos. Aí Léo ganhou o Sul, se fez por lá, e depois de uns cinquenta anos, isto, meio século, acha de cruzar com meus passos numa rua que, sem sair do lugar, não é mais a Adolfo Cyrne, ponto da marinete do velho Orlando, pai de sua namorada.
Foi mais fácil reconhecer você do que reconhecer a Torre. Tem nada a ver com a que levei comigo.
Está de bengala, mas firme, o aperto de mão ainda forte, de punhos cheios, a bengala me parecendo mais um hábito do que uma escora.
Pediu notícias de Sales, era como chamávamos Pontes da Silva, o bibliófilo, artista gráfico, professor, editor e livreiro que a Paraíba conheceu, filho de um marceneiro que fabricava violinos, oficina e morada na nossa rua.
E compreendi aquele ar de espanto de Léo, apurando as vistas na avenida igual a todas as grandes vias movimentadas do mundo. Pisando incerto como se lhe faltasse terra nos pés. Expulsaram a Torre do seu habitat. A Torre da minha primeira crônica não cabia de mangueiras, jaqueiras, trapiás, ariticuns, fruta-pães, o pomar que eu tinha deixado nas terras da infância.
No nosso tempo, de vez em quando apontava, arrastando-se de algum terreno baldio ou fundo de quintal, um jipe, um Ford ou Chevrolet 47 ou 48 que a Torre saía juntando as peças, independente de marca, e conseguia dar tração, apitar e sair riscando o massapé da rua. A marinete do velho Orlando, que puxava de uma perna, ela e não ele, foi totalmente "made in Torre". Como foi da Torre a primeira luneta astronômica a demarcar no infinito andar de cima as terras que não tivemos cá embaixo. Digo tivemos, mas o rastreador mesmo era Onildo, pai de Sílvio e Jairo Osias. Torre de Zé Bezerra, Walter Santos e, até o mês passado, de Serafim Rego Filho.
Torre generosa de terra e de homens. Mário Di Láscio me contou: Todo o sítio que recebe esse nome, com alguns arruamentos que o progresso foi adensando, pertencia a Manuel Deodato. Joaquim Torres era o encarregado da administração, quem autorizava a construção de casas, quem cobrava o aluguel, quem admitia e quem despejava.
Despejava, não, que só a muito custo ele chegava a esses extremos. Mesmo na função de cobrador, era Seu Joaquim quem intercedia junto ao proprietário em favor do inquilino em atraso, quem pedia paciência ou quem reivindicava uma melhoria do imóvel. Seu Joaquim morreu e os foreiros e inquilinos de Manuel Deodato fizeram um abaixo-assinado ao Conselho Municipal sugerindo que o nome do subúrbio recebesse o seu nome. Assim nasceu a Torrelândia.
Depois, quando morreu o velho Deodato, o dono de tudo, a Câmara resolveu compensá-lo, e pôs seu nome numa das ruas do bairro de Seu Joaquim.