Levante a mão se, numa noite quente, você lentamente abriu os olhos e perguntou, baixinho: Você está aí? Se está, pode me dizer, por favor...

Sei que agonizo, e nisso há prazer

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Levante a mão se, numa noite quente, você lentamente abriu os olhos e perguntou, baixinho: Você está aí? Se está, pode me dizer, por favor, por que razão estou aqui, qual o propósito disso tudo ou por que não posso vê-lo? Ou num dia chuvoso, olhando pela janela enquanto escondia o coração sufocado de saudade, ergueu os olhos para o céu encoberto e sussurrou para alguém: Pai, onde você está? Mãe, pode me ouvir? Filho, tudo se acabou ou algo de você vive ainda, em um lugar além das estrelas?

Na longa caminhada – especialmente nos dias em que tudo parece cinza e os homens me dão a impressão de que são muito irracionais e tolos – as perguntas me espreitam, como a tantos outros antes de mim. Qual a razão da aventura da vida? Onde e quando nasceram compaixão, ódio, amor, gratidão e o desejo de dizer não à morte iminente?

No planeta azul, cogito ultrapassar os limites do humano. Apuro os ouvidos, mas não busco os cânticos dos templos. Quero as notas perdidas da sinfonia celeste de Newton. Pelo olho mágico de um telescópio espio estrelas nascendo no berçário da Áquila; outras morrendo em supernovas espetaculares.
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Tudo tão minúsculo cá embaixo. Perante o majestoso cortejo dos astros, minha voz é baixa, meu corpo frágil. Meu grito? Mero sussurro.

Sem certezas metafísicas caminho, mas diante da mão pesada da morte não me encolho. Não, não, embora adorasse ter respostas. De preferência catalogadas cientificamente e ministradas por alguém com uma sabedoria mansa, olhos de lótus e um sorriso nos lábios.

É que minha morte e eu nos encaramos há muito tempo. Todos os dias ela faz o contorno do meu rosto com seus dedos longos. Flerta comigo e lhe sorrio. Fixo seus olhos amarelos e sussurro: viver para sempre é castigo que não mereço. Sei que agonizo e nisso há um quase prazer. Não gostaria de ser exceção ao grande ciclo que tudo renova. Minha hora está marcada em alguma ampulheta invisível e minhas respirações contadas, felizmente. Resta-me a mente calma a observar a contagem regressiva sem temor enquanto sorvo cada mínima gota da vida. Desarmada, silenciosa, aguardando.

Enquanto a natureza prossegue em seu giro calmo, ouço um lamento a percorrer as galáxias, mergulhar no profundo, buscar o inacessível. Integra um conjunto de joelhos feridos, cabeças cobertas de cinzas, ombros que carregam o mundo.

Soa familiar essa voz que insiste em se estender na direção do silêncio de abismos, águas e sóis. Pertence aos que ainda guardam no peito o temor da hora incerta. Homens que soluçam enquanto administram a vida, com suas dores e paixões, mesquinharias e grandezas, lamentando a dureza do gesto, a palavra áspera, o carinho guardado na mão e a hora que passou.

Vozes que ecoam pelos mundos. Roucas, ansiosas. Perder-se-ão para sempre ou lá, naquele exato local onde o perecível não domina, alguém escuta e sorri?

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