Hoje, quando escuto músicas que lembram minha vida na Pitumirim com meus pais, irmão e irmãs, primos, primas, tios, tias, amigos, amigas fico pensando que nunca mais serei tão feliz!
Olho pra frente e sei que as coisas que provocaram aquela energia e tanta abundância não terão mais lugar, por diferentes motivos. São os momentos da vida que vão mudando e dando origem a outros.
Digo isso, porque ali, naquele tempo, a felicidade era algo que não se aguentava em minha alma, em meu corpo e saía pra passear me puxando pela mão. Ela era autônoma e poderosa! Eu era tomada por ela.
Hoje, em mim, é diferente. A felicidade precisa ser buscada, analisada, interpretada, antes de ser sentida.
Olho para os dias, para a vida, faço comparações com outras e digo: “graças à Deus, sou feliz!”. Tenho que ter sabedoria para identificá-la. Naquele tempo não! Sobrava felicidade!
Qualquer batida em uma lata era motivo para dançar e cantar juntos! Vínhamos a pé, de João Pessoa pra Pitumirim — Ponte dos Arcos, Santinha, Prazeres e chegávamos em Pituaçu, para enfim, chegar na Pitumirim. Fazíamos várias paradas para cantar e dançar ao longo do caminho. Era uma coisa linda ver minha mãe cheia de beleza, ritmo, vida, rodando, cantando e dançando sob o olhar apaixonado do meu pai...
Tudo bem, eu era bem jovem e a juventude vê e vive as coisas de forma muito intensa! Mas meus pais, tios e tias já tinham lá os seus 50 anos e eram os “puxadores” da bagunça, eram os que planejavam, tinham as ideias tão geniais que nós, adolescentes, jovens, embarcávamos nelas!
Eram raras as vezes que tínhamos programas melhores do que estar com eles!
Era o tempo da alegria!
Claro que eu tinha meus dramas, sentia dores, conflitos internos e externos, mas eles eram marcados por coisas muito concretas, nada filosófico ou fruto de subjetividades profundas e menos frequentes do que as coisas que me faziam dançar, cantar, amar.
Ah, o amor… andava de braços com a felicidade. Eu amava tanto! Tanta gente!
Acreditava na força da vida, no propósito de estarmos todos juntos apostando em bons momentos.
Eu via a vida de forma coletiva. Não a minha, a tua, mas a nossa! E acreditava que tudo que vivíamos era para sermos melhores e que todos nós sabíamos e buscávamos isso. A vida evoluía coletivamente da mesma forma que evoluía individualmente, com o mesmo propósito!
Acreditava nisso!
Talvez seja assim mesmo. Tenha sido, seja e será sempre assim...
Talvez tenhamos apenas perdido uns aos outros de vista. E para o propósito ser mantido precisa, de algo mais que cantar, dançar e amar.
A vida, com o tempo, acordou, ao menos em mim, um atributo ancestral, algo do tempo das cavernas, que desperta forte: a coragem.
Hoje, antes de tudo, até mesmo do amor, tenho sentido a coragem pulsando, pedindo passagem. Coragem que, por sua vez, descortina vários aspectos da vida que no tempo da felicidade eu não via! Tão reais quanto os que estavam sendo contemplados e vividos naquele tempo.
Nos 50 anos dos meus pais, pulsavam a felicidade, o amor, a criatividade, a música, a dança, o caminhar e o contemplar caminhos.
Nos meus 50 anos (que já estão se indo, pois já fiz 58) pulsam a coragem, a empatia, a solidariedade, o trabalho necessário e capaz de despertar o sentido do ser coletivo, que também está sendo redescoberto.
Para mim, o tempo da felicidade passou, o que não quer dizer infelicidade. Quer dizer: necessidade de coragem.
Hoje é o tempo da coragem, sentimento que tem origem na palavra francesa coeur (coração). Coragem de dar a vida pela felicidade coletiva, pela consciência de unidade e pertencimento, capaz de enxergar o outro e ver que, se o outro fica, não vamos a lugar nenhum!