Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito
Que tem sido
Transcorrendo, transformando
Tempo e espaço navegando em todos os sentidos
Tudo permanecerá do jeito
Que tem sido
Transcorrendo, transformando
Tempo e espaço navegando em todos os sentidos
Tempo Rei, Gilberto Gil, 1984
Os versos da canção de Gilberto Gil, "Tempo Rei", citada como epigrafe, remete ao enfoque do tema (neo)barroco, no contexto do Brasil e da contemporaneidade, com ênfase na interface dos afetos, tecnologia e cultura política. Sua pertinência reside em criar a oportunidade para uma reflexão sobre o Ser e o Tempo, pela via da percepção estética. Joga com as relações entre imanência e transcendência, leva o espectador a despertar para o devir dos seres e coisas, as "dobras da alma", um novo modo de "estar no mundo". Antenado na complexidade do cosmos e da vida social, o artista estimula o ouvinte a perceber os "plurais da psique". A estranha beleza dos versos, construídos à base de oximoros e contrastes, remete à percepção e lógica sensível que temos reconhecido como barroca.
Para a tradição renascentista, o barroco é estranheza e irregularidade, mas na modernidade adquiriu o status de um gênero artístico que goza de prestígio. E na pós-modernidade (seja a partir do pós-guerra, ou dos anos 80), servirá de parâmetro de julgamento do gosto. O barroco, desconsiderado em suas variações maneirista e rococó, vai reaparecer na Idade Mídia, em analogia ao kitsch, o brega, o neogrotesco. E outra vez, é claro, tudo isso passa pelo crivo da divergência de interesses estéticos, ideológicos e mercadológicos.
A citação do verso de Gil é relevante, traduz o aspecto da permanente transformação, gerada pela troca do poder de Cronos (o tempo do capital) pela potência de Kairós (o tempo da vida). Assim, o artista resgata o espírito barroco naquilo que este tem de agregador entre o orgânico e o inorgânico.
A referência ao tempo, inevitavelmente remete aos ciclos da vida e ao fenômeno da metamorfose que acomete os humanos (nascimento, crescimento, velhice e morte).
De maneira análoga, as experiências da biopolítica, cibercultura e virtualidade real, encerram dimensões contrárias, e atuam em favor de uma convergência de forças que enfrentam o poder do Estado, do Capital e da tecnocracia, propondo um novo estilo de vida, governado pela cognição coletiva conectada, agenciamento tecnossocial e participação ativa dos cidadãos.
O poeta canta "o fim da ilusão" e o despertar da "raça humana” (titulo do disco), transformação permanente e navegação em todos os sentidos". Eis uma intuição neobarroca, para se compreender a condição humana, na era pós-metafisica, a crise no castelo da cultura" e as estratégias de ação afirmativa.
Enfim, considerando as lógicas e afetos que envolvem os conflitos, protestos, negociações e conquistas, o neobarroco brasileiro mostra que não há incompatibilidade entre os protestos, as redes sociais e o carnaval da copa do mundo.
Os brasileiros levam ao pé da letra o aforismo "Mens sana in corpore sano", ou seja, "corpo malhado e cuca fresca"; o seu ethos pode ser resumido na frase do psicanalista brasileiro Roberto Freire, "sem tesão não há solução”.