Estava a conversar pelo telefone com o amigo Wilson Marinho e ele me dá ciência de uma boa nova: seu neto foi promovido e vai trabalhar e...

Minas não há mais

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Estava a conversar pelo telefone com o amigo Wilson Marinho e ele me dá ciência de uma boa nova: seu neto foi promovido e vai trabalhar e viver em Belo Horizonte. Começamos então, com o sadio descompromisso das conversas fiadas, a comentar sobre as vantagens de BH sobre o Rio e São Paulo, metrópoles hoje difíceis de habitar, por tantas razões que sabemos. A capital mineira, ao contrário, soube crescer guardando um certo ar pacato de suas origens, o que lhe dá um encanto especial dentre as grandes cidades do país. Vai nisso, estou certo, muito da chamada mineirice dos habitantes das montanhas, sábios desde sempre e mestres na arte do bem viver, indiferentes às modas e novidades de outras plagas ditas cosmopolitas.

Mas logo logo passamos à triste constatação de que atualmente não tem nem rastro da grandeza mineira e de seus filhos ilustres, que tanta importância tiveram na história Brasil. Para citar só alguns mais conhecidos, fiquemos com
Aleijadinho, Tiradentes, Santos Dumont, Carlos Drummond de Andrade, Ary Barroso, Guimarães Rosa, Tancredo Neves, Afonso Arinos de Melo Franco, Ivo Pitanguy, Chico Xavier, Pelé, Gustavo Capanema, Milton Campos, Pedro Nava, Affonso Romano de Sant’Anna, Murilo Mendes, Juscelino Kubitschek, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino, Cyro dos Anjos e Ziraldo. A lista é quase sem fim, tantos são os valores mineiros na política, nas letras, nas artes, nas ciências e nos esportes. É como se a terra montanhosa fosse um manancial inesgotável de talentos que, sozinha, suprisse facilmente qualquer país. Veja só. Mas o que são as Minas Gerais hoje em dia, comparando com seu passado remoto e recente?

É verdade que ainda está lá uma Adélia Prado, por exemplo. Mas onde os outros? Onde os políticos importantes? Onde os escritores célebres? Parece que não há mais.

Drummond, no livro José, de 1942, e no poema de mesmo título, escreveu: “Com a chave na mão/quer abrir a porta,/não existe porta;/quer morrer no mar,/mas o mar secou;/quer ir para Minas,/Minas não há mais./José e agora?”. Para o poeta itabirano, já naquele tempo Minas não havia mais. Que diria ele agora? Conta-se que os conterrâneos de Drummond tinham uma certa mágoa por ele não ter mais voltado a Itabira do Mato Dentro depois que foi morar no Rio de Janeiro. Viam nessa aparente indiferença do poeta uma ingratidão para com a terra natal. Mas não era nada disso, como explicou o bardo mais de uma vez.
Simplesmente, ele achava, a partir de um certo momento, que a sua Itabira da infância não existia mais, a começar pelo famoso Pico do Cauê, montanha de ferro que ele via da janela de casa, aplainado impiedosamente pelas máquinas da Companhia Vale do Rio Doce. Não tinha sentido, portanto, retornar para o que já não havia. A antiga Itabira de seu coração passara a ser apenas uma fotografia em sua parede. E como doía!

Pela mesma razão, o professor Marinho não volta mais a Sapé, dizia-me ele. Não há mais a cidade do menino que ele foi. Não há mais seus pais, seu avô, não há mais o trem que lhe trouxe notícias da guerra e tantos outros deslumbramentos infantis. Talvez, de todo aquele mundo, reste apenas a criança antiga dentro de si, porque esta ficará, como em todos nós, até enquanto houver o homem encanecido.

Mas voltando a Minas. Que desolação atual. Que cenário de terra devastada, do ponto de vista dos grandes valores humanos. Não, evidentemente, que não haja hoje gente valorosa nas Gerais. Há – e muita, certamente. Mas estou falando de nomes comparáveis aos citados, nomes que se impunham ao respeito do Brasil e do mundo. Não que fossem perfeitos, santos e puros esses notáveis de antigamente. Mas até nos defeitos, eles conseguiam repercutir na admiração dos contemporâneos. Com suas eventuais malícias e espertezas, não chegavam a ser execrados, mas, pelo contrário, entravam no folclore e nos “causos” locais, sendo motivo de muita risada inteligente até os nossos dias. Quem não se delicia com as estórias de Tancredo, de José Maria Alkmim e de Benedito Valadares, por exemplo, altos sacerdotes da mais fina política mineira e nacional?

Em 1958, no livro A vida passada a limpo, no poema Prece de mineiro no Rio, Drummond escreveu os seguintes versos: “Espírito de Minas, me visita,/e sobre a confusão desta cidade,/onde voz e buzina se confundem,/lança teu claro raio ordenador.” Sabedoria do poeta. Ele sabia que o espírito mineiro era o único que podia socorrê-lo no desvario das outras terras. Espírito conciliador, prudente, discreto, quase sempre tímido, silencioso, de palavra contida, não desperdiçada, espírito que honra as tradições e a sabedoria popular, que confia desconfiando e nunca dá o passo maior do que as pernas. Esse espírito, creio eu, deve sobreviver ainda, apesar de tudo, pelo menos em parte. E será certamente ele, somente ele, que será capaz de devolver a Minas sua grandeza perdida.

Espírito de Minas, ressuscita!

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