Essencialmente, sou uma professora! E como fui feliz ao entender desde sempre que nasci pra isso! E como sou feliz com a oportunidade de ter contato com o fazer da educação!
Refiro-me à minha presença na equipe de professores e professoras voluntárias no cursinho Pré-ENEM da AJC.
A AJC — Articulação da Juventude Camponesa da Paraíba é composta por jovens de assentamentos, comunidades rurais, quilombolas e indígenas que estão cursando ou concluíram o seu curso universitário e querem ajudar outros jovens, com a mesma origem, a conseguirem dar continuidade à vida de estudante.
O nível da organização, o profissionalismo e o compromisso desses jovens cuidando de outros jovens é a coisa mais linda do mundo!
Foi realizada uma espécie de edital para inscrição de professores voluntários, me inscrevi e consegui entrar para esse grupo tão especial!
O meu município, o Conde, é um município agrícola e que tem quilombos, assentamentos, aldeias e comunidades rurais. Portanto, sei o que significa para esses jovens frequentar uma universidade, de preferência pública, enfrentando diariamente uma série de dificuldades...
Não é só passar no ENEM, é ter um transporte para chegar lá, é ter o que comer se o curso exigir que passe o dia na universidade, é lutar, na sala de aula contra o preconceito que exclui dos encontros e estudos extra-classe. Esses jovens precisam ser muitos, muitos, e ocuparem o seu lugar!
A possibilidade de colaborar com isso, dessa vez em uma sala de aula, mesmo que virtual, me deixa muito feliz!
Vários momentos da minha vida tive atividades diferenciadas das tarefas de professora, mas ao invés de deixar a sala de aula de lado, fiz de todos os lugares por onde passei mais um lugar de ensinar e de aprender!
Tive um berçário, ainda muito jovem, fiz pão integral pra vender, tive uma lanchonete de produtos naturais, fui gestora pública e prefeita, mas a “pegada” de professora sempre foi presente e forte em todos esses momentos!
No berçário, tive colaboradoras que não sabiam ler e escrever e tratei de alfabetizá-las, pessoas que não tiveram a oportunidade de saber mais sobre as etapas de desenvolvimento de um bebê e eu fazia questão que entendessem e sua presença com as crianças fosse além dos cuidados diários.
Quando trabalhava, juntamente com algumas amigas, em um projeto criado por meu pai, a fim de ser desenvolvido nas prefeituras dos municípios do Cariri paraibano, sempre buscava estender essa atividade pedagógica para outros espaços além da escola. Associações, grupos de mulheres, de jovens… Mergulhava na descoberta da forma de vida das comunidades, das pessoas que conseguiam se organizar em grupos e me dedicava a aprender, dialogar e construir com elas.
Vi que aquilo que a gente imagina olhando a distância a vida do outro não condizia com a realidade.
Confundimos a vida no campo com a pobreza, por exemplo. Imaginamos que alguém que vive na serra da Caveira, lá pras bandas de São João do Cariri, é alguém infeliz, que precisa de ajuda - ledo engano! A vida na caatinga, principalmente quando ela é preservada, não tem nada de sofrida! As pessoas que lá vivem são adaptadas a ela com harmonia e beleza. Compreendem seu lugar e sua vida, respeitam o seu tempo, o seu clima. O sofrimento se dá, quando uma ideia hegemônica sobre o que é bom, correto, direito, invade esses espaços e tornam essas pessoas ansiosas a terem e viverem como as pessoas da cidade e logo depois as pessoas de cidades maiores que a sede do seu município e logo depois, a capital de seu estado.
A globalização nos trouxe esse tipo de “verdades” que empobrecem as pessoas, especialmente, as do campo. Enfraquecem o poder local!
Desenvolver-se passa a significar sair dali do seu lugar. Aí começa o sofrimento, pois as pessoas vão ficando vazias de si e não têm como se preencherem dos outros.
Ser professora pra mim, foi mergulhar em questões como essas até entender que essas pessoas precisavam ser respeitadas e aprenderem a se respeitar — isso passa por compreenderem o seu espaço, o seu território e a sua vida dentro dele.
É nesse estágio da profissão que o Ser professor é provocado pelo Ser educador — aquele mais atento, mais comprometido com as subjetividades dos diferentes sujeitos, aquele que quer aprender à medida que ensina, que se abre para isso de forma atenta e responsável e com isso tem grandes chances de provocar o verdadeiro desenvolvimento.
Quando você junta esses dois aspectos — o Ser professor e o Ser educador — a tarefa que você abraça é enorme e seus desdobramentos maiores ainda!
No Cariri, por exemplo, me deparei com a luta das pessoas entre os costumes, o conhecimento “dos antigos” e o que chamavam de “novo” ou mesmo o apagamento desses hábitos culturalmente construídos.
Era comum chegar em pequenas comunidades e encontrar apenas idosos, mulheres e crianças, pois os homens jovens ou adultos estavam buscando a vida lá fora, bem longe do seu lugar.
O projeto de educação que lá desenvolvemos, nessa época, focava exatamente numa forma de, por meio da escola, mostrar que o desenvolvimento das pessoas e dos lugares só poderia acontecer com as pessoas presentes — você não muda os lugares estando longe deles. É preciso estar presente e buscar condições para ter direitos e qualidade de vida estando ali, no seu lugar. Livre para ir para qualquer outro lugar do seu estado, do seu país e do mundo, mas, justo por ser livre e não por estar preso a uma ideia de desenvolvimento que enquadra as pessoas num mesmo formato a fim de atender aos apelos, muitas vezes, do mercado, do sistema capitalista que vivemos.
Lembro que, ao conhecer um médico pesquisador da região, ligado à Organização Mundial da Saúde (OMS), aprendi que a palma (uma espécie de cacto) que se planta em todo o Cariri, usada para alimentar os animais) é um alimento humano muito utilizado no México e riquíssimo em fibras, água e vitamina A, importante para as crianças da região que sofrem de um fenômeno de baixa do nutriete em seu organismo. Comecei, então, a me juntar às mulheres das comunidades para ensiná-las a fazerem comidas com a palma.
Nos finais de semana, quando voltava para a cidade de Conde, trazia um saco cheio de raquetes de palmas para aprender e poder ensiná-las na volta. o mesmo se deu com o leite da cabra, que, naquela época, era desprezado pelas pessoas que compravam as latinhas de leite para seus filhos e dava o melhor para os animais. Sim, o melhor! O leite da cabra é o que mais se assemelha ao leite materno. Fazê-las entender, acreditar e aceitar isso tornou-se um grande desafio, que abracei com toda força!
Ao me deparar com uma sala de aula formada por professoras de EJA - Educação de Jovens e Adultos, descobri que a maioria delas, apesar de jovens, não tinham mais o útero, geralmente por falta do devido cuidado médico e do distanciamento do seu próprio corpo. Juntava-me a elas para conversar sobre isso e fazermos leituras, que mostravam, entre outras coisas, que a histerectomia não deveria ser um método anticonceptivo.
Dedicava-me ao conteúdo do projeto pedagógico, de dia, e ao conteúdo “da vida imediata” à noite ou em alguns horários que sobravam durante o dia... Sempre adorei fazer isso! Conhecer as pessoas em suas casas, suas vidas e me preparar para ajudá-las ali, no seu espaço.
Essas experiências aconteceram entre o final dos anos 80, anos 90 e ainda bem no início dos anos 2000.
Depois disso vieram a escola Piollin, a prefeitura de João Pessoa, a Secretaria de Educação do Estado da Paraíba e a prefeitura de Conde, mas sempre com um olhar e uma atitude pedagógica diante da vida e das oportunidades que ela me oferecia de aprender e ensinar.
Hoje, estou especialmente feliz por ter a oportunidade de ser voluntária em um programa semelhante ao que criei quando era secretária de educação do estado.
No estado ele era o PBVEST, que ajudou inúmeros jovens estudantes da rede pública a entrarem em cursos desejados por eles e elas, mesmo os cursos mais cobiçados pelas pessoas que tiveram mais acesso e oportunidades como medicina, odontologia, engenharia...
Mas agora o gostinho é diferente! Primeiro porque serei professora, compondo um time de jovens professores maravilhosos! Segundo — e principalmente —, porque esse cursinho foi idealizado e é colocado em prática por meio da organização de outros jovens que têm a mesma origem. Saber que muitos que compõem a AJC são do Conde me alegra mais ainda!
Essa garra e compromisso da juventude é a fonte que me alimenta e me ajuda a seguir, pois ela está jorrando esperança!