Há no Evangelho duas parábolas muito próximas, que se complementam por terem sido construídas com concepções figuradas diferentes. Trata-se da “Parábola da ovelha desgarrada”, presente em Mateus e em Lucas, e da “Parábola do filho pródigo”, uma exclusividade do Evangelho de Lucas. Esta tem uma estrutura metonimicamente, quando opta pela parte em lugar do todo: o filho pródigo é o ser humano, cuja alma se desvia com facilidade do caminho a ser percorrido. Aquela é alegórica, com Jesus utilizando-se de uma linguagem do pastoreio, íntima das pessoas a quem ele se dirigia: a ovelha desgarrada é, ainda uma vez, a alma humana, errando por caminhos ínvios.
A “Parábola da ovelha desgarrada” aparece no capítulo 18 de Mateus apenas como uma referência rápida, limitada a três versículos (12-14), se comparada ao que escreve Lucas, no capítulo 15, desenvolvendo-a entre os versículos 1 e 7. Em Mateus, as formas verbais para dizer da ação errática da ovelha, que a leva ao desgarramento, são πλανηθῇ, “se tiver desgarrado”, e πλανώμενον, “desgarrada” (versículo 12). Para designar aquelas ovelhas que não se desgarraram, Mateus utiliza-se da negativa μὴ e do particípio perfeito πεπλαμένοις, “que não se desgarraram” (versículo 13). O verbo referente a essas formas é πλανάω, com o sentido de errar, desgarrar, caminhar sem rumo, por extensão, perder-se. É da mesma raiz de “planeta” (πλανήτης), cuja tradução em grego é “errante”, “vagabundo”, pois acreditava-se que os planetas eram astros desgarrados no céu, vagando sem estarem atrelados a um astro maior, como uma estrela.
Quando Mateus se refere ao júbilo por a ovelha ter sido recuperada e ter retornado ao bom caminho, a forma verbal é xαίρει, “rejubila-se” (versículo 13), do verbo καίρω, “rejubilar-se”, do mesmo campo semântico de χάρις, a “graça interior”. A parábola se fecha com uma lição, advinda da alegoria, destacando a vontade de Deus (θέλημα, versículo 14): que não se perca um só dos seus pequenos (μικρῶν), quer dizer, uma só de nós, pequenas almas errantes, que somos. Note-se que nesta passagem, a forma verbal empregada por Mateus para designar a perda é ἀπόληται, “seja destruído” (versículo 14), cujo verbo é ἀπόλλυμι, significando perder, com o sentido de destruir, morrer, fazer perecer.
Em suma, há um duplo sentido de “perder-se”: aquele de andar a esmo, errar, e o verbo apropriado é πλανάω, e o de arruinar-se, perecer, cujo verbo, ἀπόλλυμι, só é utilizado uma vez, ao final da parábola de Mateus, visto que errar o caminho, poderá levar a uma perdição maior, que é perecer. Ao mesmo tempo, destaca-se o júbilo pela graça de se encontrar os que não se perderam e puderam retomar o caminho da retidão.
Em Lucas, a lição já não se pode chamar de “Parábola da ovelha desgarrada”, mas da “ovelha perdida”. Mais substancial do que o de Mateus, o texto de Lucas serve de preâmbulo para a “Parábola do filho pródigo”, que vem logo a seguir. Direto, Lucas usa apenas o verbo ἀπόλλυμι, para falar da ovelha perdida, através das formas verbais ἀπολέσας, “tendo perdido” (versículo 4), e ἀπολωλὸς, “perdida” (versículos 5 e 7). Já quando se refere ao júbilo do pastor, ao encontrar a ovelha que julgava perdida, o termo é χαίρων, “rejubilado” (versículo 5), que levará a um rejúbilo, συγχάρητέ (verbo συγχαίρω, versículo 6) com os amigos e os vizinhos. Júbilo (χαρὰ, versículo 7), que se estende ao céu, por um pecador que se arrepende, mais do que por 99 justos que não demonstram necessidade de mudança.
Sendo mais incisivo, Lucas mostra que a ovelha não se encontra apenas desgarrada, mas perdida, em vias de perecer. Com a sua recuperação, destacam-se no texto o júbilo e a reunião para rejubilar-se, motivados pelo arrependimento. O erro da ovelha/alma (ἁμαρτία, no texto como adjetivo, na forma dativa, ἁμαρτωλῷ, “ao que se engana”), quando conscientemente percebido, opera a mudança por estar arrependido (μετανοοῦντι, versículo 7). O arrependimento verdadeiro e a mudança de atitudes e sentimentos, sentido de μετάνοια, conduzem ao reconhecimento do erro e ao conhecimento inquestionável de que somos falíveis, mas podemos aprender com os nossos tropeços e desvios de rota. É por isso que essa parábola é a preparação para a do filho pródigo.
Muitos se enganam pensando que o filho é pródigo porque voltou. Não. Ele é pródigo porque gastou à larga, sem fazer conta, dissipando a sua parte, antecipada da fortuna do pai. Ao reconhecer o erro, ἥμαρτον (“eu errei”, versículos 18 e 21), contra o pai e contra o Céu, o filho faz-se consciente de que não é mais digno de ser chamado ou tratado como filho. O perdão que o pai lhe concede se realiza não só com palavras de júbilo (χαρῆναι, “rejubilar-se”, versículo 31), mas com o convite-comunhão para comer (φαγόντες, “comendo”) e pela celebração (εὐφρανθῶμεν, “celebremos”, versículo 23), o que remete para a essência do Cristianismo, de celebrar a vida, que é amor. Sobretudo, porque o pai o julgara morto, νεκρὸς; que ele perecera, ἀπολωλὼς (versículo 24).
Note-se que o mesmo que o pai, em graça, diz aos escravos, ele repete ao filho mais velho, pois a graça de se ter de volta quem se julgava perdido não tem limites. Todo o capítulo 15 de Lucas trata de retomar o caminho reto, a partir da consciência e do arrependimento pela errância. Tem um significado especial o verbo rejubilar, εὐφραίνω (utilizado também nas formas infinitivas, εὐφραίνεσθαι, “rejubilar-se”, versículo 24, e εὐφρανθῆναι, “rejubilar-se”, versículo 32), sendo formado pelo advérbio εὖ, “bem”, “de modo nobre”, e pelo substantivo φρήν, “diafragma”, sede do saber, da reflexão e do espírito, para os gregos. Εὐφραίνω é, portanto, literalmente, “refletir nobremente”, por isto o rejúbilo.
Lucas, em um capítulo formado por duas parábolas, reforça que errar não é perder-se, mas o perder-se começa pelo errar. Mais do que o pastor/Deus nos encontrar, nós é que precisamos nos encontrar – o verbo εὑρίσκω tem fundamental importância nessas parábolas – e retomar as rédeas de nossas vidas, refletindo nobremente sobre o que queremos e o que não queremos para ela, e rejubilarmo-nos, então, pela mudança.