A seguir, publico trechos da entrevista que dei ao poeta Fabrício Carpinejar para a revista Entrelivros, de São Paulo, por ocasião do centenário do poeta Mário Quintana, no ano de 2006. No próximo dia 30 de julho, o autor gaúcho estaria completando cento e vinte e cinco anos, o que justifica a transcrição da entrevista:
" (...) Posição totalmente oposta é a de Sérgio de Castro Pinto, um dos raros a empreender e publicar estudo sobre a poesia de Quintana, Longe daqui, aqui mesmo (Editora Unisinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, 2000). O poeta e jornalista paraibano credita ao estilo plural um dos empecilhos para a consagração. ‘Foi o sonetista que o modernismo não teve, pois diferentemente da maioria dos poetas de 45, soube incorporar ao soneto, carro-chefe dessa geração do pós guerra, uma linguagem coloquial, prosaica, em oposição ao discurso na maioria das vezes eloqüente, circunspecto e etéreo da confraria composta por Domingos Carvalho da Silva, Péricles Eugênio da Silva Ramos, José Paulo Moreira da Fonseca e outros. Funde a tradição com a renovação, econverte o estranho em familiar e o distante em próximo’".
“Quintana seria neo-simbolista? Ou romantista tardio? Ou surrealista? Ou modernista? ‘Embora não fosse matriculado em nenhuma escola, o escritor frequentava todas indistintamente. Isso sem sacrificar a alma boêmia das ruas, as quais ocupou ora de corpo inteiro, ora espiando-as através das muitas janelas que abriu nos seus poemas’, argumenta Sérgio de Castro Pinto”.
"‘Massaud Moisés até a 9ª edição de A literatura brasileira através dos textos resistiu o quanto pôde, bravamente até, para incluir Mario Quintana no painel altamente representativo da diversidade, riqueza e valia das manifestações do gênio literário no Brasil. E assim procedeu, quem sabe, por nutrir um certo ranço preconceituoso com relação à poesia lírica, gênero, segundo ele, subordinado à fase da adolescência, da imaturidade emocional, enquanto o épico assinalaria o momento em que o poeta alcança a maturidade interior’, comenta Castro Pinto”.
"Já no volume VII da História da inteligência brasileira, Wilson Martins faz menção à coletânea Sentimento do mundo (1940), de Carlos Drummond de Andrade, para estabelecer um paralelo entre os dois livros. O crítico e o professor parece insinuar que o sentimento de Drummond era tão vasto quanto o mundo, ao passo que o de Quintana, de tão insignificante, apenas cabia nos estreitos limites de uma rua: a dos Cataventos’, expõe o paraibano”.
"‘Alfredo Bosi, por sua vez, utilizando A Rua dos Cataventos como ponto de referência da poesia de Quintana, conclui que o poeta encontrou fórmulas felizes de humor sem sair do clima neo-simbolista que condicionara a sua formação. No caso, porém, quando emprega o vocábulo fórmulas, Bosi simplesmente parece aprisionar Quintana à ditadura das fôrmas em contraposição à maleabilidade das formas. Ou sugerir, ainda, que o feiticeiro Quintana teria descoberto uma fórmula capaz de fabricar poemas em série, todos monocórdios porque contaminados por uma compulsão tautológica. Daí por que, sobre Quintana, talvez fosse mais pertinente afirmar: saiu da atmosfera neo-simbolista que condicionara a sua formação por descobrir formas felizes de humor’, pontua Castro Pinto”.
“Não será a posteridade que acovardará Mario Quintana. Em vida, sobreviveu ao fogo em quatro oportunidades. A primeira vez na adolescência no Colégio Militar, em que perdeu seus documentos e seus primeiros textos publicados, a segunda numa pousada em Gramado, ao tentar enganar a luz forte do abajur com papel, e as outras duas aconteceram na velha pensão em que morava nos anos 50 e 60, em que o incêndio destruiu seus livros e anotações, juntamente com os móveis. Sua alma de poeta era a de um piromaníaco. Esteve na vida para arder. E fazer arder”.