Da janela avisto ele, empurrando a carrocinha. Contrapondo-se ao mar, companheiro de trabalho, e, talvez seguro alívio para tantas incertezas. Não é certo seu futuro, muito menos o sucesso. Do Sol, e não da chuva, dependem suas vendas. Já que a praia no inverno não lhe rende o desejado.
De domingo a domingo, que é seu dia favorito, tanto quanto um feriado, logo cedo está de volta com o carrinho de sabores. É morango, graviola, tangerina e até ameixa. Nem precisa de anúncio, ou quiçá da campainha, pra fazer a garotada se animar pelo gelado. Deve ser um bom presságio quando avista a meninada ou a turma reunida entre a praia e o prazer.
Mas não pode ter inveja, porque gosta do trabalho. Será mesmo um prazer dedicar a vida inteira nessa luta sob o Sol? Ou foi este o desafio que o destino lhe guardou? Ah, mundão injusticeiro... Impossível que não haja, como um dia atrás do outro, uma vida mais na frente que compense essa jornada…
Há muito que admiro o vendedor de picolé. De inverno a verão está sempre bem disposto a andar pra muito longe. Sobe duna, desce duna, livra a onda, areia fofa, no calor desconjurado. A esperança está na sede dos que ali vão pra brincar. Do lazer que não é seu, tira aquilo que o será.
Certa vez, manhã de chuva, vi de longe, na enseada, um disposto vendedor. O céu tapava o Sol e dizia “lá vem chuva”. Tudo o que ele não queria que houvesse num domingo. Mesmo assim, não desistia, prosseguia na jornada. Mas na outra enseada, o cenário era o mesmo. Era claro que mais tarde restaria o dissabor de olhar o carro cheio do sabor que não vendeu…
Foi então que desejei comprar todo seu estoque, se ali fosse possível. Mas a quem oferecer toda aquela guloseima? Vi o mar entristecido, como se também quisesse ajudar de alguma forma. Só restou-me lamentar que aos peixes eu não pudesse dar aqueles picolés...