De computador no reparo, venho navegando em um emprestado. O que me serve é velho de uns onze anos. E estranhei que o novo entrasse na rede sem conexão visível, sem o fio à mostra.
Liguei para um dos filhos: “É isso mesmo, pai. Os mais novos já vêm providos.”
E suspendi o que vinha escrevendo uma vez mais, desorientado com o filme de ficção científica que nos tornou reflexos das comunicações. Uma interação com a qual eu nem sonhava. E a mais bem distribuída das mercadorias em todos os níveis sociais. Talvez ainda perca para a caixa de fósforo.
A civilização que obra um milagre desses, que dificuldade tem para não deixar uma só pessoa com fome neste mundo? Aí empancam a ciência e sua resultante, a tecnologia, a religião, a filosofia, supondo milhões e milhões de crianças, sobretudo as negras, a inundar as telas da internet de lágrimas ardentes, lágrimas de fome. Os gatos e cachorros já não passam fome hoje. Nem mesmo os gatos de mercado público, que, aliás, nunca passaram.
Desde o homem da Pedra do Ingá a esse imbecil trilionário que acaba de inaugurar o turismo astronáutico que os ricos do mundo gozam suas diferenças.
Um flagrante que anotei no tempo de Sarney, apanhado na linha do trem do Varadouro, pouco tem a ser corrigido:
“— Tou com fome, mãe. A vozinha insistente, espremida.
— Onde você estava que não comeu?
— Tava aqui, mas não deu.
E os olhos dela nos quatro cantos do barraco, sem achar um farelo. O menino com os peitinhos afundados, a gente vendo os ossos das costelas.
— Tou com fome, mãe.
— Dou-lhe já uma chinelada.
Lembrou uns restos de fubá, menos de um pacote, que trouxe da casa de dona Zila, a esposa do vizinho que cortava a minha trincha de mármore.
Dona Zila e as forças que só as mães têm.
Arranjou-se um pouquinho de açúcar, um pouco de leite, raspou-se um coco que caía do lado de cá do tapume e daí a pouco estava pronto o angu do moleque.”
— Mata a fome, infeliz!
Como o moleque suava! Não havia sol. A tarde, em seu começo, estava nublada. Apenas o calor do angu, o calor de mãe dando na fraqueza.”