Em tempos tão lentos, arrastados, aparentemente sem perspectivas, precisamos ter consciência de que somos seres capazes de criar! Precisamos buscar coragem para criar o nosso presente e o nosso futuro. Entender que somos parte e que temos o poder de interferir agora em várias frentes!
Acreditar! Acreditar, ter fé e colocar a fé em movimento. Movimentarmo-nos na direção do outro, percebermos e aceitarmos que o outro é um espelho que reflete muitos aspectos nossos e que só podemos nos ajudar, ajudando o outro também. Só isso, nesses tempos de remansos forçados, já é movimento demais!
O movimento é para dentro e para os lados no sentido de tentar alcançar quem está próximo, eu creio. Quem conseguir abrir caminhos internos de alguma maneira agora, terá um universo de expansão quando sairmos deste lugar de dores e incertezas.
Tenho buscado fazer isso de várias formas: escrevendo o que pulsa entre meu coração e minha cabeça (às vezes meu fígado entra na roda); desenhando algumas linhas e traços infantis em pratos de louça ou nas paredes da casa para ilustrar, mal e porcamente, o que escrevo (nas paredes também); dançando; abraçando árvores; fazendo aulas de Gyrokinessis com minha comadre lá de Salvador (viva a internet!); cuidando de plantas e disputando the power com a cochonilha (“né de Deus não”, essa criatura!); fazendo lives e mais lives sobre diferentes assuntos; limpando a casa; minha filha diz que tenho TOC — Transtorno Obsessivo Compulsivo — e que preciso levar a vassoura junto comigo à terapia.
A verdade é que quem mora no mato tem sempre que estar informando aos bichinhos que a casa tem dona e que eles têm um vasto terreiro lá fora que é só deles, mas aqui em casa eu prefiro ficar reinando entre os demais humanos e Miúcha, minha cachorra! Então, varro a casa todos os dias, fazendo com isso três tarefas: deixando-a limpinha, espantando a preguiça, a falta de energia e de forças que podem estar como visgo pelos cantos ou debaixo dos móveis, espantando os bichinhos peçonhentos que por ventura queiram vir se achegar.
Varrer casa com consciência holística é algo fantástico! Depois eu fico com a sensação que prestei um grande serviço a mim, à família e aos bichos, que vão cumprir sua missão no lugar certo junto aos matinhos na natureza. Me sinto poderosa!
Outra coisa que tenho usado para abrir caminhos pra ver se chego a algum lugar, é cozinhar. Sempre gostei dos serviços domésticos! Sou super canceriana, daquelas que a casa faz parte do corpo, sabe? Mas, cozinhar, sem dúvida, é o meu serviço doméstico preferido! Também faço isso tentando unir o valor do alimento, a beleza do prato (acho fundamental!) e os bons pensamentos, as boas energias para que Nanego e João fiquem bem!
Nesses tempos “ficar bem” não tem sido um processo orgânico. É preciso fazer a escolha diária para ficar bem, então, prefiro não colocá-los em risco e ouvir música enquanto cozinho. Assim garanto que meu conteúdo pessoal e confuso, não vai temperar a comida dos meus amores.
A música tem essa capacidade incrível de transportar a gente para um bom estado de espírito! Cozinho e canto. Cozinho, canto e rezo agradecendo e pedindo a Deus para que as coisas que estão acontecendo comigo, com a humanidade e com o planeta, não me deixem de jeito nenhum indiferente, sem forças, e que eu não perca a visão sobre quem sou, onde estou, de onde vim e como posso me manter firme, na luta e sã!
Peço a Deus que a injustiça não seja algo que nos passe batido! Nunca! Precisamos sobreviver à covardia de quem pratica injustiças! Muito me vem à cabeça a música de Arnaldo Antunes : “Debaixo d’água tudo era mais bonito, mais azul, mais colorido, só faltava respirar, mas tinha que respirar, todo dia, todo, dia, todo dia… Debaixo d'água por enquanto sem sorriso, sem pranto, sem lamento, sem saber o quanto esse momento poderia durar, mas tinha que respirar…" e nessa de ter que respirar, vou buscando fazer isso com a qualidade mais amorosa que eu consiga acessar.
Não nego os instantes de raiva e dor que sinto, mas aprendi a transformá-los em indignação, e o que não consigo transformar, tento me esvaziar chorando. Sento pra chorar, se for difícil, se tiver aquele bolo imóvel. Recorro também nessas horas à música e choro para poder fazer as coisas e abrir os tais caminhos.
Por falar nisso, há uma música de Maria Gadú que diz “Todos caminhos trilham pra gente se ver, todas as trilhas caminham pra gente se achar, viu?… a qualquer distância o outro te alcança…” Isso me faz lembrar que esses caminhos, essas trilhas que estamos abrindo em nós, nos levam ao outro, inexoravelmente. Que bom! Não estamos sós nem nunca estaremos!
Como disse Chico César e Juliete eternizou “caminho se conhece andando, então vez em quando, é bom se perder. Perdido fica perguntando, vai só procurando e acha sem saber. Perigo é se encontrar perdido, deixar sem ter sido, não olhar, não ver. Bom mesmo é ter sexto sentido, sair distraído, espalhar bem querer”.
Vamos caminhar, mesmo que parados, espalhando bem querer para encher esse momento de dificuldades e desafios em um tempo de plantar, só assim teremos o que colher.