Se analisarmos a história da humanidade, descontados todo o otimismo gratuito e a perplexidade diante dos avanços da tecnologia nos últimos sessenta, setenta anos, chagaremos à conclusão de que somos umas bestas. Que loucura começar um texto assim, não é? Por que tanta agressividade? Não seria melhor suavizar um pouco mais o discurso?
Creio que não. Senão, vejamos: passamos boa parte dessa curta ou longa (depende do ponto de vista) história do mundo guerreando e nos destruindo uns aos outros, bem como disseminando loucura, pragas morais e doenças. De qualquer forma, foi assim, aos trancos e barrancos, que chegamos aos nossos dias.
Hodiernamente, não somos melhores, sob o prisma moral e ético, do que éramos há mais de dois mil anos. Ainda não aprendemos muita coisa. Ainda não sabemos o que fazer exatamente com a cachola. Eis um exemplo atualíssimo e de clareza solar: mergulhada em uma pandemia como a do covid-19, nossa angustiada sociedade pós-moderna, bombardeada por informações de veículos de comunicação e da grande rede mundial de computadores, não sabe que caminho seguir, entre os tantos, paradoxais e confusos, que surgem. A própria história da evolução do pensamento filosófico comprova isso.
Sócrates desenvolveu um método argumentativo, por vezes um tanto agressivo e de inclinação negativa, chamado dialética – tido por muitos como o precursor da lógica. Nada escreveu, tendo sido retratado nos diálogos de Platão, seu discípulo, geralmente com a utilização de um estilo mais “dramático” e com um desfecho “aporético”, ou seja, inconclusivo. Portanto, não haver uma solução para o dilema/problema proposto seria tipicamente socrático.
Platão, discípulo de Sócrates e descendente da antiga aristocracia ateniense, foi o primeiro a formular os questionamentos filosóficos básicos que permeiam a nossa existência até hoje. A despeito dos tais diálogos mais dramáticos em que expõe o pensamento socrático, quando Platão expõe sua teoria das ideias, por exemplo, utiliza um estilo mais expositivo e menos trágico.
O macedônico Aristóteles, de Estagira, aluno de Platão, a seu turno, rejeitava terminantemente o modo pelo qual seu mestre, ao apresentar a filosofia sob a forma de diálogos, tentava fazê-la interessante aos olhos do público consumidor. Escreveu inúmeros tratados, desenvolvendo um pensamento em oposição ao da Academia, criticando sobremaneira os dualismos platônicos, nos quais havia uma inexpugnável dicotomia entre a realidade do mundo natural e a realidade abstrata, ou seja, o mundo das formas.
O conhecimento surpreendentemente sistematizado e as elaboradas concepções e classificações do pensador estagirita serviram como base para a maioria do pensamento filosófico e científico nos dois milênios que se seguiram. Sua influência política e literária também foi avassaladora.
Os três pensadores gregos são os expoentes máximos da chamada filosofia helênica clássica. São a trinca perfeita do pensamento filosófico ocidental. Em que pese estarmos metidos neste imenso atoleiro ético e moral de nossos dias, sem a filosofia, que surgiu na Grécia antiga e por muito tempo manteve um caráter eminentemente grego, não seríamos o que somos hoje e não teríamos a ciência. Embalada por alguma crença maluca ou fantasia desmiolada, como acontece em parte da ciência política, da economia e da psicologia, a busca pela verdade estaria condenada ao fracasso e às trevas, imersa em superstição e lendas.
Ao modo dos antigos romanos, que desprezaram o conhecimento filosófico por um bom tempo, mas não dispensavam um bom vinho, encho meu cálice com um tinto robusto e proponho um brinde ao amor à sabedoria e ao conhecimento – que ainda continua a ser o melhor modo de tornar o homem menos selvagem do que ele de fato é. Há, portanto, alguma esperança para as bestas pensantes.