Parado em busca de um transporte que pare e o leve. Inicialmente, acredita ser enviado ao futuro num ônibus com uma placa qualquer com um número e um nome indicativos de um destino previsível. De fato, um caminho feito em ritmo de dejá-vu, uma volta ao mesmo lugar, uma revolta ao ponto inicial. E um veículo se aproxima. Braço esticado, velocidade reduzida, embarca, senta, respira, transpira.
Aos solavancos balança, avança. Feito a vida o ônibus segue seu itinerário. Parada, para, engole pessoas por uma porta, cospe outras. Portas são bocas que comem e vomitam passageiros. As catracas são as vísceras e o intestino que com som metálico da falta de lubrificante funcionam como calculadoras que trituram os seres alimentos. Em seus pés, o número feito sorteio viciado gira infinitamente e aponta quantos foram levados, trazidos, deixados.
E segue o ônibus com seus passageiros, passados, presentes e futuros. Buracos, balanço, cigarra, mais braços estendidos, novas paradas, mesmo ritual. Em cada ponto sobe uma nova história, as conversas se misturam e as solidões idem. As vozes se repetem fantasmagoricamente em mil histórias, futilidades, politicagens, futebolidades, desigualdades, muitas idades, "misturidades", em discursos, monólogos, debates, opiniões, questionamentos, afirmações, definições, perdições.
É preciso equilíbrio mesmo para quem está sentado em meio ao desequilíbrio coletivo. Conto as paradas, perco as contas dos rostos, dos sussurros, dos caminhos, iguais e desvios... E cruzam-se olhos, mãos desconhecidas se esbarram, pés indiferentes se pisam. Colisões, encontrões e empurrões solidários nos apertos rotineiros.
O coletivo também traz silêncios. Mergulhos perdidos pelos vidros das janelas buscam saídas de emergência mais fáceis. Bocas fechadas, olhos falantes, rostos inexpressivos, alheios aos vendedores e seus apelos ao passar por cruzamentos, para as difíceis encruzilhadas da vida. Aberta, a janela é um salva-vidas amarrado a uma canoa sem vela e sem vento, solto na calmaria nervosa no mar concreto, fuga aos cheiros, importunações e às companhias indesejáveis, porém, inescapáveis.
Lá vai o ônibus de parada a parada, ponto a ponto, avançando e atrasando horários, rígidos na planilha, flexíveis na maré do trânsito. Até chegar ao suposto ponto final, tão somente uma nova parada, o reinício da viagem, o reencontrar as almas e seus braços esticados, pedindo embarque, crentes ser um transporte, tão só uma pausa. A descida nunca é realmente a chegada. A única é a morte, que não pede nada, tão somente ordena que se suba aos que não querem parada... e prossegue sem indicar o destino.