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Os 50 anos da construção de uma obra-prima

Grande compositor popular brasileiro, Chico Buarque se insere em um grupo seleto de nossa música, um panteão onde figuram Tom Jobim, Cartola, Pixinguinha, Nelson Cavaquinho, Dorival Caymmi, entre outros. Apedrejado em redes sociais nos últimos tempos devido a posições políticas, o compositor e letrista Chico é maior que tudo isso, inclusive superior, bem superior à sua obra em prosa, que ele insiste em dar continuidade: o Chico artista de música popular é infinitamente mais pujante que o Chico escritor, em que pesem os vários prêmios que já recebeu na área da literatura. Uma pena ele ainda não ter se dado conta disso. Desconfio que os fãs do artista Chico pululam nas bancas julgadoras de concursos literários...

Mas vamos ao que interessa. Clássico irretocável do nosso cancioneiro popular, o disco “Construção”, que neste ano de 2021 completa cinquenta anos de seu lançamento, é o quinto álbum de Chico para a gravadora Philips e traz músicas até hoje cantadas e executas em todos os recantos de nosso país. Feito impressionante é que quase todas as suas faixas foram sucessos, na época de seu lançamento. Mas não foram meros “hits” da ocasião. Devido a sua indefectível qualidade musical e assombrosa lírica, Chico elevou várias músicas deste LP originalíssimo ao patamar de clássicos da música popular brasileira.

Com produção do grande Roberto Menescal, do não menos importante Mazola e de Toninho, “Construção”, com seus pouco mais de trinta minutos de duração, é, inegavelmente, um dos mais importantes discos da história de nossa música.
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O contexto político do ano do lançamento do álbum (1971) todos já conhecem: o Brasil vivia sob a égide de um regime militar, em que generais se revezavam no poder em Brasília. Marcadamente influenciado em suas orquestrações por Rogério Duprat, o álbum é um petardo que une os ritmos tradicionais de nosso cancioneiro à crítica social e política, com a notória desenvoltura poética de Chico para burlar a censura da época.

Deus lhe pague e a música-título do álbum — que pode ser ouvida ao lado, com seus famigerados versos alexandrinos com rimas esdrúxulas, ou seja, aquelas rimas que ocorrem entre palavras proparoxítonas -, dão o tom da denúncia dos desmandos do contexto político em que vivíamos. Além delas, há a bela melodia de Valsinha , parceria com o poetinha Vinícius de Moraes, o Samba de Orly , verdadeiro hino de vários brasileiros exilados na época, outra colaboração com Vinícius, com a participação do ás do violão Toquinho.

Filho do historiador e grande intérprete de nossa realidade política, econômica e social Sérgio Buarque de Holanda, Chico confirma neste fabuloso disco que é um grande contador de estórias, um artista que consegue transportar para o terreno da música popular crônicas urbanas, detalhes de nosso dia-a-dia, lamentos amorosos, profundas observações sobre as relações entre homem e mulher, lançando um olhar perscrutador sobre a própria condição humana, com um fino lirismo característico de sua obra: é o que ouvimos e sentimos em clássicos como Olha Maria (este com a participação de Vinícius e o gênio Tom Jobim) e Cotidiano.


Marco de uma época que hoje é motivo de chacota e piadas em redes sociais por gente que nunca estudou História do Brasil, “Construção” é um disco único, obrigatório. Os fabulosos sambas e outros ritmos de seu repertório, eivados de ricas harmonias e melodias, mostram que a nossa música perdeu muito em criatividade e inspiração lírica nas décadas seguintes. Será que a democracia não fez bem a nossos artistas?

Hoje, 19 de junho de 2021, Chico completa 77 anos de idade

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