É um hábito do menor esforço sair deixando em cada livro da estante o papel ou documento que, na pressa, nunca atino onde guardar. Às vezes, se é poema ou citação preciosa de autor com lugar cativo na estante, sei de olhos fechados onde localizar o livro e, lá, deixo o achado.
Anteontem, por exemplo, recebi de William Costa a honrosa missão de escrever um nariz-de-cera para a inserção de Órris Soares em antologia da série que vem sendo publicada pela Editora A União. Sempre que recebo uma encomenda dessa monta recorro a uma cadeira velha que imagino passar a mão na minha cabeça desde a era da General Novilar (anos 1960), uma das primeiras casas de móveis e eletrodomésticos com crediário em João Pessoa.
O de Órris Soares, talvez por ser o primeiro a afetar a experiência do adolescente, precisou ser compartilhado na pracinha de minha terra com outros parceiros de leitura, Ze Banjão (José de Aquino), Alcy Araujo Costa e o velho Adauto Graciano, escrivão do Registro Civil, que nos ouvia em sucessivas leituras, cada qual a sua, voltando a página a cada pedra que o poeta botava em nosso caminho.
Das 50 e mais edições do livro, estudado e revisto por cátedras e catedráticos sucessivos das nossas letras, pouquíssimas delas descartam o “elogio” de Órris, contemporâneo do poeta do EU, deambulando com ele pelos batentes da Faculdade do Recife e do jornal que primeiro acolheu aquela estranha poesia, o jornal de Arthur Achilles , órgão independente que influenciou ou fez a geração paraibana de mais evidência cultural e política do século 20. Órris, Carlos Dias, Américo Falcão, Neves Junior, Coriolano, Celso Mariz, Álvaro de Carvalho, Oscar Soares, irmão de Órris.
É a preparação para se ingressar, logo de começo, no “Monólogo de uma sombra”, Órris Soares a pegar na mão do leitor como Virgílio no ingresso de Dante e seus seguidores à “selva escura”.
Onde vi isso? Terá sido numa das páginas que Drummond dedica a Órris, a primeira delas sobre a rotina dos seus encontros, uma menção ao Dicionário de Filosofia e a última, como necrológio, realçando a dignidade resguardada na sombra dessa grande vida que enlutava o poeta maior ao retirar-se? Preciso encontrar esse testemunho de Drummond sobre o amigo a quem ele confessa dever grande exemplo, coroamento que não pode faltar como chave de ouro num perfil do grande Órris.