Logo depois de O SOM AO REDOR, ainda em 2010, fui convidado a trabalhar como ator em ERA UMA VEZ EU, VERÕNICA, do Marcelo Gomes – célebre...

O mundo é pequeno

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Logo depois de O SOM AO REDOR, ainda em 2010, fui convidado a trabalhar como ator em ERA UMA VEZ EU, VERÕNICA, do Marcelo Gomes – célebre autor de CINEMA, ASPIRINAS E URUBUS. Para me preparar e à Hermila Guedes, o jovem cineasta Pedro Freire foi chamado do Rio e teve um trabalho enorme pra que eu deixasse de lado o personagem – gozador rico e abusado – do filme do Kleber Mendonça Filho, pra me tornar o doente terminal que sustentava o curso de medicina da filha com bicos de contador.

Pedro, simpático, tranquilo, foi preciso:

- Deixe de lado esses gestos largos – disse-me. – Deixe de lado as gargalhadas, voz alta, movimentos rápidos!

Fiz isso, e acrescentei algo, para frisar a diferença: fumei muito, pra obter um timbre grave na voz. A labuta foi tanta, que Pedro me pespegou um beijo na testa quando, afinal, entrei no clima de “seu” José Maria:

- Issso!!!!

Ele me ligou de Brasília – dois anos depois - para me cumprimentar, quando peguei o prêmio de melhor ator coadjuvante no festival , pelo papel.

Não sei.

Na verdade o Candango deveria ser dele.

Bom.

Vinte e quatro anos ANTES – 1986 - eu estava sozinho, no palco do Teatro Paulo Pontes, João Pessoa, fazendo uma nave espacial com papelão de sapateiro pra minha peça “A Bátalha de OL contra o Gígante FERR”, quando, num momento em que, sentado no chão, trabalhava na base do artefato, vi que alguém se aproximava, um homem. Ouvi um “Boa noite”, ergui a vista e me surpreendi:

- Herson Capri!

- E você é o Solha.

Levantei-me, pedindo-lhe desculpas por não lhe apertar a mão, pois a minha estava suja.

- Olha – ele entrou no assunto de vez – acho que você sabe que estou numa turnê com a peça “Um Casal Aberto”, do Dario Fó, com Malu Rocha, minha mulher,

- Sei.

- Pois bem. O texto é para apenas um casal, mas... no final surge um segundo homem, e sempre convido alguém de cada lugar onde chegamos, pra fazer essa... pontinha, vital para o espetáculo. Assim que cheguei na cidade, pedi à diretora do Theatro Santa Roza,

- Zezita.

- Sim. Pedi que me indicasse alguém pra ser esse cara e, vendo o perfil de que preciso, ela indicou você.

Sempre tive pavor a palcos. Mas tinha uma grande desculpa:

- É pena, Herson, mas não vai ser possível: amanhã estreio minha peça e vou ter de estar aqui. Mas vou falar com Zezita pra que lhe consiga outro.

Zezita, porém, me disse que eu estava sendo “mascarado”:

- Quebre o galho do Herson, homem. Não custa nada. Seu espetáculo não está pronto?

Bem, fui.

“Um Casal Aberto” começa com a mulher querendo saltar da janela do apartamento, porque soube que o marido está com outra, ao que ele ri e lhe diz:

- Você ainda está nesse tempo?! Arranje um cara, também!

- Cê tá doido?!

- Não, tô falando sério!

Isso eu ouvia dos bastidores, enquanto esgotava um litro de Campari. O público ria muito, o tempo todo.

Bem, aí a mulher – descuidada da aparência na primeira cena – começa, nas seguintes, a se ajeitar, experimentar novos penteados, vestidos, sapatos, maquiagem, etc, etc, ... e ele estranha:

- Que é que tá havendo com você?

- Fiz o que disse: arranjei um amante.

- É mesmo?! – ele revida descrente, gozador. - E quem é, posso saber?

- Ah, você não o conhece: ele vive num universo que nada tem a ver com o seu.

E ela passa a descrever um intelectual respeitado, professor da UFPB,

- Uh! Então deve ganhar os tubos!

A plateia ri.

- Não, ele não é rico porque ensina, coisa que faz porque é generoso, gosta disso. Ele ganha muito é como poeta, ensaísta, romancista, pintor, participando de vários filmes como produtor e ator, etc, etc.

- Nossa, que maravilha! Estou ansioso pra conhecê-lo.

A maestria de Fó está no fato de que convence não só o marido como a plateia de que esse cara não existe e, de tal forma, que, no final da peça, quando a campainha soa e ela diz “É ele!” Herson vai à porta – e aí o vejo por inteiro, porta aberta na minha frente, tão surpreso quanto a plateia do Santa Roza, lá atrás, que diz em uníssono, enquanto gargalha: "É o Solha!!!"

Bem.

Há uma famosa teoria que já foi título de um bom filme: “Seis Graus de Separação”, em que se assegura que, feitas as corretas ligações, estamos – no máximo – a seis pessoas daquele – por célebre que seja – que precisamos contactar. Volto ao Recife, 26 anos depois, e à surpresa de saber que Pedro Freire é filho de Herson Capri e Malu Rocha.

- Mas os sobrenomes são diferentes.

- O nome completo do pai é Herson Capri Freire.

Quando fiz o papel de amante da personagem vivida pela mãe dele, Pedro tinha quatro anos. Ou seja: quando quebrei o galho do Casal Aberto, em 86, Herson – direta ou indiretamente – preparava alguém pra me ajudar... em 2010.

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