Um homem que chora com os adágios da 8ª sinfonia de Bruckner e da “Nona” de Beethoven. Um homem que exulta com o canto da cotovia da Sinfonia Pastoral, vibra com a tempestade e, logo depois, se enternece quando os trovões se acalmam na seguinte "canção dos lenhadores”.
Um homem que mareja os olhos ao ouvir o Cisne de Saint-Saëns e a Ave Maria de Schubert. Que brinca com a ideia dos esqueletos bailando e rangendo os ossos, à meia noite, num cemitério sombrio, da Dança Macabra. Que imagina labaredas flamejando na Dança Ritual do Fogo, de Manuel de Falla, e era capaz de sacolejar o corpo com a Dança do Sabre, de Kachaturian.
Um ser que se empolga no imaginário sonoro de Korsakov, às Mil e Uma Noites, presta imensa e compenetrada atenção ao corne-inglês do Largo da Sinfonia do Novo Mundo, de Dvorak, e se comove com os arpejos pianísticos no Moderato do “Segundo de Rachmaninoff”. Capaz de entrever na rotina temática do Bolero de Ravel um colorido mágico e crescente rumo ao ápice orquestral que lhe encanta sob êxtase jubiloso. Assim como mentaliza a chegada triunfal ao cume panorâmico descrito por Strauss, no “topo” da Sinfonia Alpina.
Um homem que atendeu ao pedido de sua primeira esposa para que, se desencarnasse antes, o seu velório transcorresse ao som do 2º concerto para piano de Rachmaninoff. E assim foi. Mais de trinta anos depois, ainda escutamos as pessoas dizerem: “Foi o velório mais lindo que eu já vi”...
Um homem que “chorava” música. Que não gritava, não se exaltava, não agredia, não sabia o que era grosseria, não tinha inveja de ninguém, exceto em cultuar eloquente reverência aos maestros e comandantes de avião. Como admirava-os!
Um cronista da vida, da leveza, do humor e da poesia que em tudo via. Que ao escutar o histérico cacarejar de uma galinha, após botar um ovo, dizia que o galo decerto havia lhe contado uma piada muito engraçada para ela gargalhar tão descontrolada.
Ele era assim. Ele é assim. Um homem capaz de sair com um gravador de pilha na mão, com água nas pernas, para captar o coaxar dos muitos sapos que enchiam a nossa rua de bucolismo noturno, quando se alagava tornando-se "navegável" no inverno. Daí falou com o então prefeito para trocar o nome da rua para Nossa Senhora dos Navegantes. Imagine só...
Nas noites mágicas de Baía Formosa, transcendia o mundo terreno, escrevendo ao som das Sinfonias de Mahler, Sibelius, Shostakovich, das Cantatas de Bach (tinha todas), misturadas ao tic-tac da máquina datilográfica e ao exuberante marulho que, de tão próximo, parecia estar dentro de casa. E estava! Todo, inteiro, se abraçando com os apaixonados poemas sinfônicos, sua imaginação criativa e o fino talento que nos rendiam deliciosas crônicas e suaves lições de viver.
Um homem doce, feliz, musical, apaixonado e iluminado, que ajudou a fundar a Orquestra Sinfônica da Paraíba, patrimônio criado pela força e empenho dos amigos da Sociedade de Cultura Musical, na década de 40. Criou, incentivou, acompanhou, assistiu e dela usufruiu momentos indeléveis de puro amor e emoção. Até a sua segunda e amada esposa, a boadrasta Alaurinda, ele nos trouxe de dentro da Orquestra.
Afinal, foi sempre através da música que se inspirou na vida terrena, para refletir, imaginar, criar e evoluir. Agora, música ainda mais sublime, intrínseca à visão espiritual paradisíaca e à paz de consciência, decerto abunda em seu cotidiano. Que de lá ele possa sentir toda nossa gratidão no dia de hoje, 98º aniversário de seu nascimento, e continue a nos enviar as mais afáveis vibrações de amor, de música, e sobretudo de bondade e sabedoria, em que ele é mestre.