Na década de 1940 e até meados dos anos 1950, a música nordestina tinha grande predominância no mercado fonográfico brasileiro e Luiz Gonzaga era, indiscutivelmente, a principal figura dessa música regional. Segundo o jornalista Tárik de Souza, no livro “Gostos e Rostos da Música Popular Brasileira” (Editora L&PM, 1979), nos anos 1940, a presença de Gonzaga era tão forte no mercado musical que “as 17 prensas da fábrica RCA trabalhavam só para seus discos”.
Depois desse período exuberante, a música nordestina e o seu principal representante sofreram, a partir do final dos anos 1950, o impacto da concorrência da bossa nova e da geração que a sucedeu e, principalmente, da chamada Jovem Guarda, um movimento musical que era direcionado ao público jovem. Nas palavras do próprio Luiz Gonzaga:
“O rádio não me chamava mais, a TV não pagava e eu, como cantor regional, tinha que me espalhar, procurar minha gente, minha região. Cheguei a fazer uma excursão que durou um ano inteiro”
No início dos anos 1980, Luiz Gonzaga e a sua música estavam em baixa. Seus discos vendiam pouco e as suas apresentações estavam confinadas, praticamente, à região Nordeste. As experiências para a inserção do Rei do Baião nos novos tempos não haviam sido bem sucedidas. Onildo Almeida, compositor pernambucano (autor de “Feira de Caruaru”, ainda firme e forte, aos 92 anos), fez, na época, a seguinte avaliação da situação para os produtores de Gonzaga, conforme seu depoimento a Dominique Dreyfus (“Vida do viajante: A saga de Luiz Gonzaga”, Editora 34, 1997):
“Eles estavam preocupados porque não conseguiam levantar as vendagens de Luiz Gonzaga. Eu comentei que Gonzaga precisava voltar às suas origens. Eles estavam botando guitarras, coral, arranjos sofisticados, estão modernizando ele demais. Luiz Gonzaga não precisa disso não, ele é um matuto.”
Ao que parece, os conselhos de Onildo Almeida surtiram feito. Em fevereiro de 1984, a gravadora RCA lançava um LP (nos tempos do vinil, um long playing de 331/3 rpm) de Luiz Gonzaga. Com esse disco Gonzaga conseguiu o primeiro “disco de ouro” da sua carreira. O título do álbum e de uma faixa do disco (que era a música mais tocada no rádio): “Danado de bom”.
No disco “Danado de bom”, Luiz Gonzaga retomava o seu antigo estilo, em regravações de alguns dos seus antigos sucessos: Forró no escuro, três parcerias dele com Zé Dantas
João Leocádio Silva, o João Silva, nasceu em uma casa de taipa em um arrabalde do município pernambucano de Arcoverde. Teve uma infância muito pobre na vila de Caraíbas e nunca frequentou uma escola. Aprendeu, com uma tia, a ler, escrever e contar. Aos nove anos, já batia pandeiro nos forrós e se iniciara no cavaquinho. Com a separação dos pais, se mudou, inicialmente para Serra Talhada, e depois para a cidade paraibana de Olho d'Agua, onde morou, por alguns anos, ajudando o pai na roça.
De volta a Caraíbas, João Silva começou a se destacar nos “sambas” da região, também como cantor. Incentivado pelo dono de um armazém onde trabalhava se mudou para o Recife com o desejo de “virar artista”. Tornou-se pintor de automóveis e se apresentava no rádio em programas de calouros. Segundo ele, em depoimento para o livro “Mestre João Silva”, de José Maria Marques (Editora Bagaço, 2008), uma noite disse à mãe: — Mãe eu vou pro Rio. Ao que a mãe respondeu: — Isso é hora de pescar, João?
No Rio de Janeiro, João Silva continuou trabalhando como pintor de carros, mas logo se ambientou no meio musical da cidade. Gravou alguns discos como cantor e passou a compor para intérpretes da música nordestina como Abdias, Marinês e Trio Nordestino, para o qual fez o conhecido forró Chililique . A partir de 1964, Luiz Gonzaga começou a gravar as suas músicas, mas nenhuma teve o êxito daquelas incluídas no disco “Danado de bom”.
Depois do disco “Danado de bom”, João Silva passou a fornecer, ano após ano, os grandes sucessos de Luiz Gonzaga, como Deixa a tanga voar, Forró de cabo a rabo, De fiá pavi, Vou te matar de cheiro, Uma pra mim, uma pra tu, Vê se ligas para mim, Ai tem e o primoroso forró Nem se despediu de mim("Nem se despediu de mim / Nem se despediu de mim / Já chegou contando as horas / Bebeu água e foi se embora / Nem se despediu de mim.
João Silva, em número de composições, se tornou o maior parceiro de Luiz Gonzaga e foi o único dos autores que trabalharam com o Rei do Baião a se manifestar sobre um tema tabu: como se dava o processo de criação (com relação a alguns compositores) das músicas que tinham a assinatura de Luiz Gonzaga na parceria. Nas palavras de João Silva:
“Na maioria das vezes, eu fazia a música e a letra. Às vezes, ele só começava a música e eu terminava. Ele não tinha tempo. Só teve quando adoeceu. O que acontecia é que eu entregava tudo para ele e ele arrumava alguma coisa da letra. Ele chegava e dizia “eu quero fazer uma música disso e disso”.
João Silva foi, também, o responsável por um dos maiores êxitos da carreira do seu conterrâneo Dominguinhos: Zé do rock . Dentre as inúmeras músicas da volumosa produção de João Silva, uma tem um lugar especial nos ambientes modestos da gente humilde do Nordeste brasileiro, um “samba de latada”, um “samba apracatado” (como ele dizia), que é uma espécie de hino da boemia nordestina (Pra não morrer de tristeza), com as suas palavras do linguajar matuto; (Quem era eu / Quem era tu / Quem ‘samo’ agora / Companheiros de outrora / Inimigos do amor).
Em 2016, a cineasta Deby Brennand dirigiu o filme "Danado de bom, as histórias e as músicas de João Silva", com participações de Gilberto Gil, Elba Ramalho, Dominguinhos, Alcione, Lenine, Zeca Baleiro, entre outros. O “Mestre João Silva”, em 2013, foi encontrado morto no seu apartamento, no Recife (onde, depois de 45 anos, voltou a morar). Tinha 78 anos.