Aconteceu em Florença. E foi incrível. Não por ser lá, embora naquele contexto inspirador tudo é mais possível. O fato poderia ter ocorrido em qualquer cidade do mundo, sem distinção. E tanto inevitavelmente emocionaria o mais insensível dos seres.
Desci para comprar algumas coisas para o café da manhã, pois não estávamos em um hotel. Era cedinho e Florença amanhecia resplandecendo toda a beleza em cima do rio Arno, que a carregava feliz por debaixo das pontes. Ele é um rio feliz, pois ainda tem margens cobertas de relvas ciliares bem verdinhas, que lhe conferem pitoresca rusticidade ambiental. Que rio não gostaria de navegar por um habitat familiar e identificado com sua natureza? Ainda mais convivendo com tanta arte...
Satisfeito perante o que via e internamente ensimesmado por mais um encontro com a capital da Toscana, lá vou eu, leve e fagueiro pelos renascentistas cenários. O apartamento em que nos hospedávamos ficava bem de frente para a Galeria Uffizi e a sensação de saber que tesouros ali guardados haviam-se apenas a poucos metros, do outro lado do rio, animava risos de uma alma já exultante.
Cheguei ao minimarket. Após escolher baguetes e brioches fresquinhos como a adorável manhã, algumas frutinhas do bosque, queijos e outras coisinhas oportunamente incomuns, dirigi-me à fila do caixa. Uma moça serena e simpática, ágil como ali são, atendeu-me, e, ao passar as compras, perguntou-me gentilmente se eu sabia que o tablete escolhido não era manteiga, e sim fermento. Surpreso, desculpei-me constrangido, mas deixando escapar um sutil desejo de ir trocar. Ao perceber, ela interrompeu imediatamente o serviço, pediu licença aos que estavam na fila, saiu do caixa e me fez sinal para segui-la. Todos se mantiveram respeitosamente discretos diante da iminente pausa.
Lá na prateleira, ela me apontou opções de manteiga e juntos voltamos. Eu inteiramente surpreso com a sua atitude. Depois de pagar, despedi-me com um grato sorriso, reiterando-lhe a gentileza.
De volta à calçada que margeia o Arno, já bem amanhecido, a refletir as fachadas que ladeiam a Ponte Vecchio, eu respirava novamente os ares florentinos. Distante umas três ou quatro quadras do minimercado, eis que escuto alguém gritando, e uma senhora mais próxima faz sinal apontando que era para mim.
Não acreditei! A moça corria ao meu encontro com um pacote de iogurtes esquecido no caixa. Diante dela, exibi uma mistura de perplexidade e embaraçosa timidez por tamanha e espantosa delicadeza. Estávamos mesmo em uma metrópole? Cheguei a pensar que sonhava, tão visionários eram aqueles horizontes esteticamente urbanos e humanos.
Recebi os iogurtes com imensa e reconfortante gratidão, sentimento inesquecível que me acompanhou pelo resto da manhã.
De volta às ruas, após o café, comentei com meus familiares que desejava voltar àquele mercado para agradecer novamente a atenção daquela moça, desta vez com uma flor, ao lado de um sorriso.
Todos concordaram e foi o que fizemos. Passamos numa floricultura, compramos uma bela e túrgida rosa vermelha, e fomos encontrá-la. Pela hora, certamente ainda estaria em seu turno.
Pedindo escusada licença às pessoas da fila, eis-me diante dela com riso e flor. A suave surpresa que emanou de seu rosto, idem ridente, era mais bonita do que a rosa.
Numa cortês reverência, desabrochei-lhe a frase: “O mundo precisa de mais pessoas como você”. O restante ficou na rosa em sua mão. Inesquecível como a moça e o seu admirado sorriso.
A bem da verdade, o admirado ali era eu. Afinal, era Florença.