O coração respondeu, em 1958, com batidas mais fortes ao aviso da escola primária, no Recife. Estava lá no quadro negro em letras grandes de giz: “Férias a partir de 15 de junho”. Notícia melhor então não havia. E a data assinalada com antecedência de uma semana me recomendava a providência: a mudança das melhores peças de roupa do armário para a mala. Disso e de uns 20 gibis, alguns ainda não lidos.
“Leve pouca coisa”, recomendava a Tia Mariinha ao filho que não pariu, porquanto posto no mundo pela irmã do meio. Mas não menos filho, a julgar pelo carinho e pelos cuidados que me dispensava.
Às vezes, ficava-me a impressão de que a guarda por ela das calças, camisas e meias que não me deixava levar à casa paterna durante as férias escolares lhe sossegava o espírito. Tinha nisso a garantia do meu regresso, penso eu. Seria a mãe perfeita de filhos que nunca teve não fosse a mania de traçar o meu futuro. Desde o momento em que me tomou para si via em mim um pastor adventista. Mal sabia a tia querida dos meus olhos compridos para as coisas deste mundo. Na minha idade isso significava cinema, gibis, futebol, praia e, já enxerido, uns tantos rabos de saias.
A partida, da estação de Coqueiral, subúrbio recifense, deu-se na manhã do dia 13, matando as últimas aulas do meio do ano. Viagem de cinco horas em um dos 12 ou mais vagões puxados por máquina nova, a diesel. Fosse uma Maria Fumaça ainda em uso nos trilhos da Gretueste, no dizer saboroso dos matutos de Pilar, o percurso até ali não seria coberto em menos de seis horas. Mas, em qualquer caso, com direito a vagão-restaurante. Mil recomendações antes do embarque como se eu fosse me perder no caminho, ou no percurso entre a estaçãozinha de Pilar e o afago dos meus pais e irmãos, logo depois da ponte sobre o Paraíba. Além do mais, dona Vininha, avisada por carta, dificilmente deixaria de me aguardar com outros três filhos à beira da linha.
E assim aconteceu. Minha mãe me recepcionou com abraços e beijos e meu irmão mais velho me tomou a mala, solícito e prestimoso. Não deixei de notar que ambos trocavam olhares e ares de riso. Mas apenas entendi a razão disso quando, já na rua, subi a calçada para entrar na casa da esquina do Beco do Padre, em frente à Prefeitura. Não morávamos mais ali. O velho Juca havia adquirido casa nova na rua seguinte, por trás do Mercado. Outra surpresa foi a de um bar agregado à padaria. Isso mesmo, sou filho de padeiro.
Logo mais, eu acordaria com ruas embandeiradas e não dormiria sem acompanhar os últimos ensaios da quadrilha formada por casais amigos dos meus pais. As pamonhas e canjicas fumegavam, fogueiras ardiam em frente às casas e os fogos, comprados na Capital, eram acesos na véspera e dia da festa. Quanta animação. Minha alma de menino subia ao céu como um daqueles balões, na época ainda politicamente corretos.
Isso tudo me vem à mente neste São João triste do qual se ausentou, involuntariamente, meio milhão de brasileiros – cem vezes a população da pequena Pilar – abatidos pela praga que flagela o mundo inteiro. O foguetório, hoje infinitamente menor, não é capaz de acordar o Santo neste 2021 de trevas. São José, este sim, até que fez sua parte. Não houve tanta falta de chuva e há, por aqui, pés de milho com fartura de espigas. Todas, porém, de sabor bem amargo.