Para Lena, cúmplice das lutas
e glórias que ajudaram a
transplantar a fé para um
otimismo plural, sublimado,
Saulo Mendonça
Saulo Mendonça
Sem a mínima inconveniência e outras pretensões, quero proclamar que hoje posso e anuncio o meu aniversário chamando-o de "renascimento".
Sim! Foi aquele que nunca esqueci ter vivido nas trevas por que passei, numa perspectiva insegura, algo quase que um estorvo, mergulhado numa dúbia esperança.
Fascinante, como tudo se deu por milagre! E, súbito, a dubiedade foi esfacelada e vencida pelos pedidos da minha oração e dos amigos espalhados por vários estados brasileiros, emitidas generosamente, por extenso, pelas suas mentalizações e mensagens.
Era abril de 2015. A espera por um transplante de fígado já havia me tirado quase todo o sossego. Uma amálgama de neurônios já havia se queimado e as células neurais anunciavam guerra nos campos mais sofridos dos meus nervos.
Entretanto, na cidade do Recife, as coisas começaram a mudar os seus rumos. A vida amanhecia na janela do nono andar de um edifício. O apartamento que me foi cedido pela bondade de uma sobrinha chamada Maria das Graças era uma graça, e eram muitas... Diria, Maria de “muchas gracias”. Gracias!
Lá esperei o transplante por quase trinta dias, todos em dose dupla, contagens regressivas, com ânsia, apreensão e paciência, num sórdido baião de três.
A minha premonição insistia em falar comigo, baixinho aos meus ouvidos. Vi-a com um ineditismo assombroso, porém, revelador. Pensava em Nossa Senhora de Fátima, que nunca esqueci. O mês de maio estava chegando e algo acenava para minha aguçada prontidão. Preconizava um possível milagre, mesmo com algumas invasões de negatividades em razão do difícil ou do imprevisível. Havia momentos em que eu acreditava com tranquilidade, mas sem evitar, no entanto, uma agonia sempre de passagem.
As ruas de Recife tomavam conta da minha janela. Os meus olhares amanhecidos de espera, arremessados sob a égide de uma confiante proteção, acompanhavam de cima os passos dos primeiros caminhantes da manhã, às vezes, com passos escurecidos ainda naquelas madrugadas sem “Galo da Madrugada”, mas com o canto trôpego de alguns galos madrugadores que faziam o meu carnaval com os seus gritos agudos e roufenhos.
No dia 13 de maio de 2015, Dia de Nossa Senhora de Fátima. Recife preparava-se para amanhecer. O telefone, súbito, feito despertador de relógio, joga-me uma voz compassada ao meu ouvido. Era a Coordenadora de Transplantes do Hospital Osvaldo Cruz. Compassiva e tão amiga, a enfermeira Shirley (!!!)
— Saulo, bom dia. Vamos?
— Sim. Vamos. Tremi!
Com o robustecimento repentino da tranquilidade e o choque a queima-roupa, vieram a minimização do risco pela fé, vieram a sensação de calma e a certeza do bom sucedimento, como se algo santo estivesse me levando numa maca, onde tudo não passava de uma levitação miraculosa.
A fé, às vezes, encolhe-se no recôndito de nossas inseguranças, mas depois se transborda em poder de domínio, sublimando um otimismo natural, um certo escudo e uma espada para lutarem contra os negrumes da negatividade.
Um ponto que nunca deixaria de enfatizar aqui é a minha visita a Basílica de Nossa Senhora de Fátima, com um mês após a minha alta do Hospital Jayme da Fonte, em Recife:
Fui até lá com vistas a ter uma conversa mais solene e ortodoxa com Ela para dizer-Lhe do tamanho da minha GRATIDÃO. Enfim, lembrando de tudo que ficou guardado na caixa preta logo que aterrissei dos voos à deriva, quando livrei-me do desastre, encontrei pouso, e vi asfaltadas as pistas daquilo que hoje chamaria de destino. Preciso dizer o que aconteceu quando cheguei à Basílica, a primeira construção em homenagem a Nossa Senhora de Fátima, situada na cidade de Recife-PE.
Fachada da igreja com todas as portas de entrada trancadas. Entrei por trás, onde havia um portão aberto. Dei de cara com o pároco, Padre Mota, que parecia estar aposto como se já a me esperar no oitão da igreja. Como sempre, atencioso, mas não sabia ainda sobre o motivo da minha presença ali, às nove e meia da manhã daquele dia.
A Basílica estava totalmente vazia. Só uma porta ao lado dava acesso ao templo. Depois de explicar ao padre o motivo de minha presença ali, só com uma olhada que dei para o interior da igreja, já me senti pequeno demais dentro daquela imensidão de colunas, altares, púlpitos e bancos inóspitos, num descanso silenciosamente místico e de paz. Maior era a minha gratidão naquela hora! Pensei.
— Ah! sim, pode entrar, Saulo, e fique à vontade! — disse-me o Padre Mota em seguida adentrando-se por aquela única porta lateral de acesso a igreja. Escolhi um daqueles bancos vazios onde povoei-me de uma miríade de histórias, começando a orar, compenetrado e voltado para o altar. Energia circulando envolta, uma sensação lenta de zen, de nirvana!!!
De repente, passei a ouvir uma música vinda do circuito interno daquele espaço santo. Música do céu!!! Arrepiante!!! Era um clássico erudito, uma música eufônica, estendida pelos arredores do meu humilde isolacionismo e compenetração.
Segundos depois, o Padre Mota aparece na outra porta lateral interna da igreja e aponta para as caixas de som espalhadas no interior da igreja. Rápido, levanta o dedo polegar e diz de lá:
— A música é para você se concentrar melhor! E fez um rápido sorriso de solidariedade. Ele sabia o quanto havia sido difícil a minha trajetória. Uma sensação muito forte foi me conduzindo com ares de bem-estar, inexplicavelmente. Era inafastável, o ar de enternecimento pelo lado emocional, um impactante momento de catarse.
Quando saí da Basílica, fiquei pensando no ápice daquele instante iluminado. E, mais uma vez, tive a convicção de que nada acontece à toa. A Basílica estava meio escura. Nada sombrio! Nada obscuro! Saí imaginando o que disse um dia o grande Manoel de Barros:
“Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina.” Não deu para me conter, desabou uma água benta no meu rosto!!!