Tenho visto em alguns momentos a vida passar numa rapidez perturbadora! O corpo, mais que outras dimensões da vida, acompanha o tempo. ...

É tudo experiência de vida

literatura paraibana marcia lucena reflexoes reencontro interior encontro consigo
Tenho visto em alguns momentos a vida passar numa rapidez perturbadora! O corpo, mais que outras dimensões da vida, acompanha o tempo.

Há todos os outros benefícios advindos da maturidade, mas, as mudanças em meu corpo gritam e vão deixando evidentes as características marcadas pelo tempo.

Os jovens me oferecem o lugar para sentar, o motorista de táxi pergunta se tenho netos, as roupas vão ficando (mais rapidamente) apertadas e já não podem ser as mesmas. Passei a acordar na madrugada com todos os líquidos do meu corpo fervendo por 5 minutos,
seguido de um repentino e estranho frio — todas as estações em minutos no meu corpo (deve ser por isso que o nome é CLIMATÉRIO) — e os cremes dermatológicos já não fazem mais tanto efeito no rosto de que viveu com tanta intensidade.

Tenho uma amiga que diz: "dentro dos meus 57 anos, cabem uns 90"!

De fato, quando revelo algumas passagens de minha vida é comum as pessoas dizerem "mas deu tempo viver isso tudo?" ou " você já fez isso tudo na vida?" Pois é, já fiz, já vivi.

Acho que por este motivo, pela intensidade e fartura de vivências, o corpo que tenho hoje me diz: "Deu! Tá derramando!" E eu me olho e me estranho… Não sei exatamente em quem estou me transformando. Não só o corpo, mas o espírito em constantes e profundas mudanças, me motivam a querer me entender, me ver.

Outro dia, uma pessoa com quem trabalhava, tocou em meu ombro pra chamar minha atenção numa roda de conversas e tomou um susto dizendo:

— Nossa, professora! A senhora tem um ombro frágil! Não esperava!.

Não esperava? Não sei exatamente o que revelou aquele toque tão rápido quanto um gesto corriqueiro, mas igualmente me surpreendi com sua reação e rebati:

— É só um ombro e sou apenas uma mulher!

As pessoas insistem que as lideranças sejam a imagem da dureza como vemos nos corpos estruturados dos super-heróis.

Isso me fez pensar que não só minha autoimagem está mudando, mas a imagem que as pessoas fazem de mim, há tempos não é a mesma.

O quê ou quais dessas imagens realmente me pertencem? Ou, como se articulam hoje em minha subjetividade?

Lembro que fui uma criança tímida e invisível por estar muito mais tempo em outro planeta do que por aqui. Uma jovem, crédula, ingênua, distraída, com a fama de "lesa", revelada quase diariamente na infância e juventude. Uma filha e irmã que tomava para si a missão de manter a harmonia e o equilíbrio na família. Uma professora de educação infantil e alfabetização que se orgulhava de estar ali, no princípio de tudo na vida das crianças ou uma quase mãe de tantas crianças do "Berçário Aldeia Cresça", capaz de amamentar antes mesmo de engravidar pela primeira vez. Mãe de Flora e João, mulher de Nanego, insegura, cheia de dúvidas e medos, mas ao mesmo tempo ousada, livre, cheia de coragem e vontade. Uma pessoa que estudou tantos anos com a intenção de contribuir consigo e com os demais, diante dos mistérios e desafios da vida e que repete todos os dias o mantra “tudo que tenho e sou, quero dar à vida”. Uma gestora pública, uma política com a força, a coragem e o compromisso de imprimir mudanças positivas para uma cidade e deixar claro que é possível ser correta e transparente no uso do poder delegado pelo povo, sem se importar com o preço que paga e ainda poderá vir a pagar para fazer o certo e o bem.

Minha subjetividade hoje é robusta como o meu corpo. Sou formada por todas essas memórias e imagens que o tempo foi emergindo. Ao longo do dia sempre nos encontramos em minhas vielas internas e trocamos ideias. Estamos todas juntas, abrindo espaços para que outras, com novas experiências possam vir e nos lembrar que somos fortes, temos amor e disposição para olhar o desamor de frente, sabemos perdoar e pedir perdão, temos coragem e empatia,
temos fé e vontade, contamos com a preguiça que vez por outra se apresenta e mostra sua face bonita: o ócio bom e criativo. Assim, estamos aprendendo com o tempo a redimensionar o medo e a dor. Acreditamos nas pessoas, na vida, em Deus.

Perdemos e encontramos de novo a esperança repetidas vezes. Somos uma só pessoa, somos Márcia, que precisa do espaço que só os anos de vida trazem. Assim, vou aprendendo a redimensionar também a estética, a forma que meu corpo e meu rosto vem tomando com os anos. É outra a estrada agora que me permite seguir em frente. Nunca em linha reta, sempre em meio a curvas, pontes, ladeiras, mas sempre em frente! Lembrando de largar pelos caminhos o que não me pertence para que a bagagem, mesmo grande, seja leve.

Tenho compreendido com minha trajetória, seja em casa, no trabalho ou em uma conversa casual com algum desconhecido, que o que define a qualidade do que vivemos, fazemos e nos transformamos é a atenção que damos aos detalhes existentes em cada um dos momentos da vida. A qualidade da nossa presença é que possibilita redimensionar a dor, o medo, as imagens, tão presentes, sempre.

Cada detalhe compreende inúmeras possibilidades. Cada detalhe tem o segredo de uma célula, com o poder de traduzir o novo existente até nos velhos hábitos. Cada detalhe é uma chave, uma revelação.

A espiral da vida nos convida a olhar para isso constantemente.

Damos volta em torno de nós mesmos e das vivências que temos com a oportunidade renovada de olhar atentamente e dar sentido ao que julgamos anteriormente como algo banal.

Colocar nossa energia em movimento e estar a serviço da vida. Olhar para dentro de nós e organizar a casa. Permitir que nasça no timo, o ritmo estimulante do coração.

Olhar, mesmo que por pouco tempo, o que está além, ao fazer atividades banais do dia-a-dia. Buscar o brilho discreto do implícito e ver.

Acreditar, acreditar.

A hora de recomeçar é a que nos ensina a conviver com a dor e o medo. Aceitar as transformações, aprender com elas. Se agigantar.

Conviver com a dor e o medo não é relevar, mas revelar o que há em nós que já pode emergir. É colocar-se confiante e disponível para seguir em movimento e conquistar novos espaços onde a dor ganha outra dimensão, e é vista de outra forma. Conviver com a dor não é eternizá-la, submeter-se a ela, mas mudar o seu sentido investigando o real motivo de sua origem. É tirar a dor do altar e colocá-la na roda junto com outros sentimentos para dançar.

Olha só! O que o corpo grita diante do medo e da dor tem o efeito do alarme do carro que nós mesmos instalamos para gritar diante de uma ameaça.

Agora, com o espírito e o corpo em metamorfose, encarando de frente meus 57 anos (ja já serão 58), já posso desligar o alarme e esperar a água gelada da chuva, o brilho do céu e o calor do sol causticante, a força do vento, a calmaria da brisa, o convite do mergulho em águas profundas, a maldade e a bondade dos seres humanos que encontro em meio a tudo isso.

Alarme desligado e presença ativa! Agora vai ser assim: corpo e espírito fartos, cabelos brancos à mostra e prontidão para a luta pelo que há de coletivo e comum na busca de me tornar humana.

Não importam as imagens. Tudo o que mais importa é o que ainda não vi e não vivi.

Como me disse meu pai, um dia: "É tudo experiência de vida”.


COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏muito verdadeiro 🙏🙏🙏🙏🙏🙏🙏❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️❤️😁

    ResponderExcluir

leia também