Mais de nove décadas, se levantava cedo e ia cortejar o pomar. Eram fruteiras sadias e variadas entrelaçando galhos no quintal. Havia diálogo, carícia, lamentação por um ramo menos viçoso. Apanhava frutas maduras quais tesouros.
Sentado à mesa, sorvendo o desjejum, na mesma casa por onde transitara, outrora, a mulher antes de partir a jardins desconhecido: Sua Judi de quem tinha saudade. Tanta que manteve o mobiliário, sem renovação, para nele se mover o passado, os traços de lembrança deixados pela esposa.
Silvestre, tio paterno de minha mulher, Emília, em Esperança, cidade próxima a Campina Grande. Um jovem, em espírito e verdade. A idade não lhe era fardo.
Contava piadas, escutava música clássica, se refugiava no quarto. Os filhos espalhados pelo Brasil, a quem denominou cuidadoso, homenageando cultos vultos: Tolstoi, Toscanini, Petrus e Beethoven. Morava com a filha, Patrícia e o genro Carlos.
Quando soube estar diabético, ainda moço, passou a estudar a doença em tomos especializados, além do tratamento e dieta a que se submetia rigorosamente. Levava a vida sem acariciar a morte. O humor de Silvestre Batista, conversa nada perdulária, enchia os interlocutores de energia os libertava de picuinhas, tristeza e outras mazelas.
Lembrou, certa vez, o episódio do ladrão. Judi preparava a comida, quando escutou o farfalhar de folhas secas no pomar. Olhou e notou um vulto. Era noite semiapagada. Aterrorizada, chamou em socorro o marido. Ele logo soube da desagradável ocorrência. Ato contínuo, apanhou um facão rabo de galo e, à vista da mulher, passou a afiá-lo. Sem palavras, Judi surpresa perguntou a razão da arma.
- "Silvestre, para matar o ladrão!”
Ela procurou conter o intento de Silvestre. Não conseguiu e, antes que ele se dispusesse em usar a lâmina, Judi gritou:
- “Vá embora, seu ladrão, meu marido quer lhe matar!...”
Um pisar apressado e o barulho seco dos pés no escuro. Silvestre todo riso. Escutou-se um baque fofo por cima do muro do interior do pomar.