Que prazer foi ler esse livro. Logicamente, esse prazer não é oriundo da história de Aglaia, uma tragédia digna do teatro grego. Esse praz...

Sobre 'O Pássaro Secreto'

literatura paraibana critica literaria passaro secreto marilia arnaud premio kindle
Que prazer foi ler esse livro. Logicamente, esse prazer não é oriundo da história de Aglaia, uma tragédia digna do teatro grego. Esse prazer é oriundo de um livro magnificamente escrito e, acima de tudo, de um livro magnificamente escrito por uma autora nossa. O Pássaro Secreto é um deleite, de longe a melhor experiência que a Tag me propiciou até então.

Uma das grandes sacadas está na discussão sobre a intelectualidade/academicidade. Entendam-me, sou cria desse meio. Vê-lo tão lucidamente discutido é uma experiência primorosa. Há nesse livro um rico acervo de referências.
literatura paraibana critica literaria passaro secreto marilia arnaud premio kindle
A literatura, bem como a cultura em geral estão muito bem representadas. Todavia, elas aparecem com um olhar muito crítico, e, na minha modesta opinião, certeiro. Vemos como a cultura, numa visão geral, atua em nossas vidas. Ela nos traz conforto em momento difíceis. Serve de ponte em nossas relações, enriquecendo-as. Atua como um meio de transcender, de levarmos nossa experiência humana ao máximo que ela pode nos oferecer.

Temos, ao longo do livro, infindáveis e preciosas citações. De Cecília Meireles a Érico Veríssimo (pelo amor de Deus, leiam o Tempo e o Vento), além de, obviamente, também passarmos por muitas referências da cultura francesa. Em resumo, Aglaia e toda sua família estão mergulhados em tudo do melhor que nossa cultura ocidental tem a oferecer, no entanto, isso não é o bastante para evitar todas as agruras descritas no livro, e aí está um de seus grandes diferenciais.

O conhecimento e a cultura são fundamentais em nossa vida. Isso fica muito claro no livro. No entanto, não são bastantes. O melhor exemplo é Heleno. Heleno é o suprassumo do homem culto e intelectualizado. No entanto, o livro deixa, de forma mais clara impossível, explícito como essa intelectualização não está diretamente ligada ao caráter do personagem. Heleno é um homem cheio de falhas. Ele criou uma persona que não representa seu eu real. Sua postura galanteadora e ostentadora não condiz com suas atitudes íntimas. Heleno se demonstra um homem machista, conservador e capaz de reproduzir uma profunda negligência afetiva com nossa querida anti-heroína Aglaia.

literatura paraibana critica literaria passaro secreto marilia arnaud premio kindle
Se todo conhecimento e cultura assimilados por Heleno não foram suficientes para ajudá-lo, o que dizer de Aglaia? Aglaia sofre com uma saúde mental deteriorada. Tudo que ela foi capaz de absorver durante sua infância e início de adolescência não foi bastante para amenizar seu trágico destino. Seu mergulho nos livros serviu de ponte tanto entre ela e seu pai quanto entre ela e Demian. Mais do que isso, todo seu desenvolvimento cultural serviu de conforto em seus momentos difíceis. No entanto, nada disso foi suficiente. Aglaia sucumbiu e sua derrocada nos demonstra o quão intrincada é a saúde mental. Depressão e ansiedade são doenças multifatoriais. Aglaia mesmo traz a discussão do quanto a genética e seu contexto familiar são capazes de influir em seu quadro. Esse livro faz um serviço em nos demonstrar o quanto um ambiente familiar desestruturado é capaz de influir em uma saúde mental já abalada e, mais do que isso, demonstra o quão ansiogênico é um ambiente intelectual/acadêmico, em que a pressão se inicia pela simples escolha do nome.

Aglaia é uma personagem potente, com força para se tornar um nome imortal em nossa literatura. Sua construção é magnífica e aí está outro ponto forte do livro. Somos impelidos a sentir empatia por essa personagem tão complexa.
literatura paraibana critica literaria passaro secreto marilia arnaud premio kindle
Quem não conseguiu, desista. Entregue seu coração, ele não bate mais. Aglaia nos suga, nos inquieta, nos aflige. Cheguei em um ponto que só queria dar um abraço nela e dizer que tudo ia ficar bem, mesmo sabendo que não. Marilia constrói uma personagem ímpar, condizente com a qualidade soberba da obra como um todo.

Esse é um baita livro, e para mim esse é o grande destaque. Vivemos um momento extremamente delicado em nosso país, dar de cara com uma expressão cultural de tamanha pujança como essa é um alívio. Um oásis. Já passamos por tempos muito difíceis. Tivemos uma abominável escravatura, vergonhosamente prolongada. Porém, ela passou e Joaquim Nabuco, Castro Alves e o próprio Machado de Assis ficaram. Tivemos uma nojenta e espúria ditadura que também findou-se, porém Caetano, Gil e Chico ficaram. Da mesma forma encaramos tempos difíceis agora. Uma pandemia nos assola e ao mesmo tempo vemos eclodir dos bueiros e esgotos de nossas cidade ideias perturbadoras como o negacionismo, o anti-cientifismo e o autoritarismo. Ah, tudo isso com certeza irá passar e figuras como a Tag, Itamar Vieira Júnior e Marilia Arnaud ficarão. Por fim, não vejo forma melhor de encerrar do que citando um dos mais doces poetas que minha amada Porto Alegre já viu. Quando terminei o livro, ele foi a primeira coisa que me veio à cabeça.


“Todos esses que aí estão Atravancando meu caminho, Eles passarão ... Eu passarinho!”


COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Parabéns👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
    Rick Shandler...belo texto sobre a a obra de Marilia Arnaud.
    Ansioso por conhecer!!!
    Paulo Roberto Rocha

    ResponderExcluir
  2. Ângela Bezerra de Castro27/5/21 13:56

    Que maravilha, Marilia ! Que perspectiva ele descobre nessa leitura entusiasmada .Riqissima , verdadeira e tao atual ,essa visão de um saber longe da vida ,que não ajuda ninguém a ser feliz .Grande contradição de nosso tempo. Grande leitura !!!

    ResponderExcluir

leia também