“Les croque-morts descendaient le cercueil. Maussade sous la bise, le prêtre attendait; et des fossoyeurs étaient là, avec des pelles. Tr...

Os dez não eram mais que sete

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“Les croque-morts descendaient le cercueil. Maussade sous la bise, le prêtre attendait; et des fossoyeurs étaient là, avec des pelles. Trois voisins avaient lâché en route, les dix n’étaient plus que sept” (L'Oeuvre, Chapitre XII).
“Os agentes funerários desceram o caixão. Aborrecido sob o vento frio, o padre esperava; e os coveiros lá estavam, com as pás. Três vizinhos, durante o caminho, abandonaram o cortejo, os dez não eram mais que sete.”

O trecho narra o triste enterro de Claude Lantier. Dez pessoas apenas o acompanharam até o cemitério de Saint-Ouen. Dos amigos do Bando, apenas dois, Bongrand e Sandoz. Nem Christine, a esposa, pôde acompanhá-lo, por encontrar-se hospitalizada com uma febre cerebral, que poderia inutilizá-la para o resto da vida, em decorrência do suicídio do homem a quem ela dedicou todo o seu amor e toda a sua paixão. Três vizinhos deixaram o cortejo ainda no caminho. Os dez, que o acompanhavam, não eram mais que sete. Não há melhor título para a triste história de Claude Lantier, mestre fracassado de uma escola artística nova,
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em busca da realidade, mas em uma sociedade impregnada o suficiente de romantismo para poder entender a revolução estética por ele preconizada.

L'Oeuvre (A Obra, 1886), de Zola, é bem mais que um romance, é um tratado sobre a arte. É uma ficção crua sobre a incompreensão da arte revolucionária, numa sociedade que não aceita a verdade como estética, preferindo o verniz da deformação ideal. Émile Zola se mostra artista pleno, dominando as técnicas da narrativa, combinando-as com um programa estético por ele proposto, plasmando um mundo cruel e verdadeiro sobre a miséria do artista, suas inquietações, aflições, perdas sentimentais, renúncias materiais, para ir em busca de seu objetivo: a tradução da realidade, tirada, sobretudo, da percepção nova das cores e de seus efeitos sob a variação da luz. No meio dessa magnífica criação, estamos nós, leitores, extasiados com o efeito obtido, mas, ao mesmo tempo atingidos no nosso íntimo diante da derrota do artista, depois de uma vida inteira de luta, tomado pela arte, respirando-a, sentindo-a penetrar-lhe até a medula, mas incapacitado de dar vida ao que apreendeu pelos sentidos.

Claude Lantier é tido, após o declínio de Bongrand, como o mestre de um grupo de artistas novos, chamado de o Bando. Ele morre sem deixar sequer uma tela que tenha adquirido vida própria. As telas que produziu e que foram rejeitadas pelo Salão de Exposição, integrando o Salão dos Rejeitados, foram destruídas. A única aceita no Salão, após, uma reconsideração das rejeitadas, a que representa o
seu filho morto — L’Enfant mort —, ninguém sabe que destino tomou. Da grande tela sobre uma cena parisiense no Sena, que o extasiara e que tomara dez anos de sua vida, dela não se via senão a mulher, a fulgurante mulher, La Femme nue, a quem ele se dedicara, exaustivamente alucinado, o mais era um esboço. De resto, ele deixara estudos e esboços, numa simbologia do que fora a sua própria vida, uma vida perdida. É o que ele próprio diz aos amigos, no último encontro em casa de Sandoz, momento em que se concretiza a ruptura do Bando, alguns dos quais acusando-o de ter prejudicado a todos com a sua obsessão pela verdade na arte. Decepcionado e resignado, Claude, ao partir, diz a Sandoz, o único amigo que lhe restara:

“Adieu, tâche de t’en sortir... Moi, j’ai raté ma vie.
"Adeus, trata de sair dessa... Eu, eu fracassei na minha vida) (Capítulo XI).

A tradução acima é pálida. É apenas para orientar o leitor. Não chega, no entanto, nem perto do que o verbo rater significa em francês: perder, fracassar, gastar, errar, faltar... Na frase de Claude, era tudo isso. Talvez, fosse melhor dizer: “No que me diz respeito, eu desgracei minha vida”, para não dizer coisa pior...

Mas voltemos a Zola e à sua compreensão sobre arte. É em A Obra que o escritor faz a sua profissão de fé e discute os princípios do romance experimental e diz da sua intenção, em parte já realizada, quando da sua publicação, de escrever uma série de romances, que caracterizem a sociedade francesa contemporânea de Sandoz, o escritor em cuja boca ele coloca os princípios da sua estética. É aqui que aparece a materialização do desejo de realizar Les Rougon-Macquart. Como o trecho é longo, apresentarei apenas a nossa tradução operacional:

“Eu vou pegar uma família, cujos membros eu estudarei, um a um, de onde eles vêm, para onde eles vão, como eles interagem uns com os outros; enfim, uma humanidade em miniatura, a maneira como a humanidade surge e se comporta... Por outro lado, eu colocarei os meus cavalheiros em um período histórico determinado, o que me dará o meio e as circunstâncias, um pedaço de história... Hein? Tu sabes, uma série de livros, quinze, vinte livros, episódios que se sustentarão, tendo todos o seu cenário à parte, uma sequência de romances a me construir uma casa, para os meus dias de velhice, se eles não me arruinarem!” (Capítulo VI).

A música é outro momento à parte, que compõe a visão artística mais abrangente do romance e que nos é dada pelas visões magistrais de Gagnière, cujos relatos se aproximam de poemas musicais. Haydn, Mozart, Beethoven, Weber, Schubert, Rossini, Meyerbeer, Berlioz, Chopin, Mendelssohn, Schumann... Vejamos o parágrafo seguinte, em que Gagnière faz um comentário sobre três grandes compositores:

"Haydn é a graça retórica, uma pequena música na voz tremulante de velha avó empoada... Mozart é o gênio precursor, o primeiro que tenha dado à orquestra uma voz individual... E este dois existem, sobretudo, porque eles fizeram Beethoven... Ah! Beethoven, a potência, a força na dor serena, Michelângelo no mausoléu dos Médicis! Um racional heroico, um modelador de cérebros, pois, os grandes de hoje, partiram todos da sinfonia com coros!" (Capítulo VII)

No dizer de Gagnière, Berlioz colocou a literatura nas suas obras, sendo “o ilustrador musical de Shakespeare, de Virgílio e de Goethe”, mas também foi um pintor, “o Delacroix da música, que faz inflamar os sons, nas oposições fulgurantes das cores”; Chopin é “dandy no seu byronismo, o poeta arrebatado pelas neuroses”; Mendelssohn “é o cinzelador impecável, Shakespeare em scarpins de baile, cujos romances sem palavras são joias para as mulheres inteligentes!... E em seguida, é preciso se pôr de joelhos...”;
Schumann “é o desespero, o gozo do desespero!”; Wagner, “o deus, em que se encarnam séculos de música!”, cuja obra “é o arco imenso, todas as artes em uma só, a verdadeira humanidade dos personagens, enfim expressa, a orquestra vivendo à parte a vida do drama; e que massacre às convenções, às fórmulas ineptas! que libertação revolucionária no infinito!...”. Segue-se, por fim, uma exaltação à abertura do Tannhäuser, cuja beleza faço questão de destacar:

“A abertura do Tannhäuser, ah! é a aleluia sublime do novo século: de início, o canto dos peregrinos, o motivo religioso, calmo, profundo, em palpitações lentas; depois, as vozes das sereias que, pouco a pouco, o abafam, as volúpias de Vênus plenas de enervantes delícias, de langores dormentes, cada vez mais altivos e imperiosos, desordenados, e, logo, o tema sagrado que retorna gradualmente como uma aspiração de espaço, que se apropria de todos os cantos e os funde em uma harmonia suprema, para os levar sobre as asas de um hino triunfal!” (Capítulo VII).

É a pintura, no entanto, o carro-chefe do romance. Claude vê Paris como um grande quadro e descobre a multivariada luminosidade de suas cores. Apesar de trabalho contínuo e devotado, que lhe consome anos de paciência e observação, Claude vê seus quadros serem recusados, um a um, pelo júri do grande Salão. O reconhecimento que lhe escapa tem como contraponto a miséria material que se lhe faz companheira, diante de tanto trabalho infrutífero.

Claude descobre, enfim, o seu quadro, na Paris chamejante, olhando, a partir da ponte des Saints-Pères, o sol “rolando sobre os tetos das casas longínquas”, subindo como “uma chama em seu rosto e iluminando os seus olhos” e revelando a beleza da luz num jogo de mostrar-se e esconder-se: Pont des Arts, Pont-Neuf, l’île Saint-Louis, l’Hôtel de Ville, Saint-Gervais, quadro esplêndido, cujo centro era “o que surgia do rio, que se alçava, ocupava o céu — la Cité —, esta proa do antigo navio, eternamente dourada pelo sol poente”. Definitivamente, nada no mundo era tão grande, quanto “Paris, ela própria, gloriosa sob o sol...” (Capítulo VIII).

Depois dessa visão, Claude frequenta o seu ponto de referência, dia a dia, para extrair a variedade das cores e suas tonalidades diante das mudanças do sol. Christine, seu grande amor, vê a pintura dessa tela como sua rival e decide se tornar a modelo para a mulher que Claude quer no centro de seu quadro. O pintor, que nada via senão a pintura que não conseguia traduzir, mesmo após dois anos ininterruptos de contemplação da cena, na ponte des Saints-Pères, empolga-se com a disposição de Christine lhe servir de modelo. É um Pigmalião às avessas. O escultor mitológico que se apaixonara pela sua escultura, sendo agraciado por Vênus, que a transforma em mulher, tem a sua contrapartida em Zola.

Claude apaixona-se pela modelo, ainda que ela seja a sua mulher, que ela amara com todas as suas forças, antes da dedicação ao que ele considera a sua obra suprema. Christine não é mais a mulher, mas a modelo que lhe dará a representação feminina no centro do quadro. É só isto que Claude vê. Pigmalião faz o caminho da escultura para a mulher amada; Claude faz o caminho da mulher amada para a modelo e da modelo para a sua figura pintada, num aproveitamento genial do mito grego por Zola, a definir o envolvimento do criador com a sua criação:

“Sempre ela estava lá, a se oferecer, com seu movimento de banhista que se joga; enquanto ele, sobre a sua escada, estava a léguas, queimava por esta outra mulher que ele pintava. Ele tinha mesmo cessado de lhe falar, ela recaíra em seu papel de objeto, belo de cor. Ele não olhava para ela senão a partir da manhã, e ela não se via mais nos seus olhos, estrangeira doravante, expulsa dele. [...] e ele preferia a ilusão de sua arte, esta perseguição à beleza jamais atingida, este desejo louco que nada contentava” (Capítulo VIII).

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Transformada em imagem, Christine sente-se rebaixada, enciumada, diante de uma rival de tintas e cores – “ela, torturada por seu abandono, desesperada por não poder expulsar de seu casamento essa concubina, tão invasora e tão terrível, na sua imobilidade de imagem!” (Capítulo VIII).

Subjugado pelo monstro da criação, Claude e Christine levam uma vida de miséria, “uma existência de cão”, a que se refere Sandoz. Os insucessos são demais para o artista. O descompasso que existe entre o que ele sente e pensa, entre o que ele produz e a recepção do público o consomem e, paradoxalmente, o fazem se dedicar cada vez mais, na esperança de diminuir essas distâncias. A frase definitiva vem da boca do romancista Sandoz, que diferente de Claude, alcança o sucesso e torna-se rico, mas a angústia da criação não o abandona:

“Trabalhamos, enfim, sem esperança de qualquer sorte, unicamente porque o trabalho bate sob a nossa pele como o coração, fora da vontade, e chegamos muito bem a morrer em decorrência dele, com a ilusão consoladora que seremos amados um dia” (Capítulo IX).

Claude se vê acompanhado a seu destino final, por apenas sete pessoas, vencido pela insatisfação artística que busca a perfeição, como se a vida, radiante e multicolorida, não lhe tivesse dado senão as sete cores básicas. Desconheço, na minha limitação, uma obra que trate tão visceralmente da arte como L'Oeuvre, de Zola. Talvez, possa se equiparar a ela, mas voltada apenas para a música, a genialidade do Doutor Fausto, de Thomas Mann.

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