Ele sai à noite, pelas ruas adormecidas ao encontro de passados abandonados, na tentativa de construir seu futuro.
E no momento do desencontro entre dia e noite, acha, acolhe e recolhe, o quê para uns já não tem serventia.
Sapatos que não andavam mais, aliviarão seus calos.
Vestes com rasgos, que encolheram, ou simplesmente caíram no desamor, aplainarão seu frio.
Caixas que protegeram alguns objetos, servirão de telhado, ou cama para ele, sua companheira e filhos.
Sem as bolhinhas gasosas, garrafas de champanhe, serão transformadas em copos.
Aquela que foi companheira de alguma menina, acalmará o sono da sua pequena filha.
A bola furada receberá remendo e ouvirá, do seu filho e amiguinhos, o grito de gol há tanto tempo mudo.
A haste quebrada receberá solda, poderá ser novamente aberta para proteger outras cabeças dos pingos de chuva ou do calor do sol.
E na troca, do que foi para alguns e do que será para ele e outros, o passado se transformará em futuro.
Todas as vezes que me deparo com ele, ou outros que fazem a mesma peregrinação, fico observando com coração doído a cena que, dicotomicamente, exala dor e prazer; desilusão e esperança; crueza e compaixão; peso e alívio.
O sorriso daqueles rostos desconhecidos, que carregam tantas marcas doidas da luta noturna, ilumina o espírito dos anjos que peregrinam pelas noites distribuindo alimentos.
Paralisada, pela realidade de um mundo tão diferente, sigo refletindo sobre o meu.