Quando as ruelas já quase nem são caminhos, é impossível lembrar a última vez que certas portas e janelas foram abertas ou fechadas. Antes remédios irremediáveis do brilho diurno e segurança do mundo noturno, muitas delas perderam os sentidos, deixaram de proteger a si mesmas e não guardam mais que vazios de amontoados de restos e lembranças, cada vez mais distantes e raras. Por vezes e sorte, poucas se tornaram telas de artistas improváveis em grafites que trazem algo sobre vivência.
As portas e janelas emparedadas demonstram vergonha, medo de ser ruim, medo de ter sido bom e até um certo de pedido de desculpa à cidade. E lá se vão passagens secundárias e terciárias a tornarem-se desertos, acinzentar-se com o tempo, inibir-se pelo esvaziamento humano e imobiliário. Rejeitadas figuras do composto central da cidade, abandonadas para serem escarradas pelo tempo, vomitadas pelos próprios donos, moradores da cidadela.
Enquanto sinais desse adormecer sonâmbulo são perceptíveis com mais força em vias mais famosas, como a General Osório e suas resistências concretas, a Duque de Caxias, em suas trincheiras pontuais, talvez por teimosia militar em guerrear, em outros pontos menos pomposos fecham-se em paredes.
Eis que se distanciam pelas ruas Amaro Coutinho, Sá Andrade, entre tantas de ilustres desconhecidos. Parecem becos esperando Milagres. Seria em vão? Portas e janelas já não se abrem, ao contrário, emparedadas não mostram a rua, nem relevam à rua sua própria destruição interna.
E eu, passageiro vagabundo do tesouro cada vez mais esquecido e irreconhecível, escuto cantorias em ilhas de pontos centrais quando a noite se aproxima. Talvez os negros escravos ressurgem do passado em rodas misturadas dos índios primeiros cidadãos e brancos também pobres trazidos por mares perdidos a mando de outros para construir algo e depois cantar um réquiem para sua própria obra.
Revolucionários que criam barricadas para manter os alicerces. Resistência insistente de visionários em lojinhas, cafés e restaurantes que teimam em faiscar vida naquela região. Contrapontos à destruição, quase a repetição do "Nego" da bandeira, só que um novo grito para que a cidade cresça sem diminuir-se.
A Parahyba transmudada em João Pessoa se transporta para outras direções. Grande e desnecessário erro. É possível ser mar, sem negar ser rio. Aqui, qual o contraditório entre ser doce e salgado, se ambos são ingredientes da própria formação. Basta saber ir, mas deixar-se permanecer. Que os tijolos seculares não desmoronem e, um dia, quem sabe, janelas e portas se desemparedem.