A visita noturna, indesejada, inoportuna e impostora, porém, infalível. Ao penetrar a madrugada, ela desperta e bate à porta, esmurra a janela, como pedrinhas indiscretas, como pancada de chuvarada. Por esses tempos, nem é tão fria, mas arrepia a alma que pede coberta para o corpo. De mansinho retira o sono da cabeça, coloca mil coisas ao perfurar o crânio. São sonhos irrealizáveis, concretos na abstração da escuridão madrugável, exercício inútil de alterar fatos, mover corpos, montar sorrisos.
Sim, o coração, esse ser indomável dominável, insiste em teimar, teima em insistir. E em tentar parar tempos, controlar ponteiros que disparam. Qual a fortuna de ter o relógio e não dominar o tempo? Pobre ser desajuizado que navega tateando a corredeira de sombras noturnas. O mais recomendável é aguardar os primeiros raios do dia.
E a noite avança sem ligar para qualquer pergunta. Não traz respostas, nem mais dúvidas, ou mesmo caminhos. Feito jogo de paciência, atira mistérios aos olhos, aponta destinos, muda roteiros, desapruma rotas. Ela é só a repetição diária do recolhimento do dia, antítese de algo comum, síntese de cada um. É feito pinceladas que compõem no escuro noturno meias verdades, todos os rumos, tudo e nada e mesmo o meio.
Segue adiante depois do acorde insone viagem nos acordes desritmados de uma guitarra sorridente, feito brinquedo infantil, que faz sorrir, cujo som é quase indecifrável, mas sensível. São coisas a transpassar carnes e beijo em colisões multitemporais, até quase sentir o toque, o gosto, o cheiro, o perfume. E escorrega nos lençóis como lenços brancos, pedidos de trégua, meio que rendição: devolva-me o sono, visita noturna.