Resolvi ir longe nesta caminhada mental que ainda me fica. Dessa vez aonde nunca imaginara, mesmo andando para trás e por caminhos nunca percorridos.
Apeio-me onde a eletricidade ainda não chegou, tampouco o telefone. Automóvel nem pensar, sendo as febres, as endemias e epidemias, de um modo geral e cada uma a seu tempo e mais carregadas, os grandes incômodos de sempre.
Apeio-me onde a eletricidade ainda não chegou, tampouco o telefone. Automóvel nem pensar, sendo as febres, as endemias e epidemias, de um modo geral e cada uma a seu tempo e mais carregadas, os grandes incômodos de sempre.
Que escuto, de livro na mão, já terminando de rodear um pequeno outeiro? De que tempo e de qual regiãooa com tan ressta harmonia essa toada em voz de timbre ainda infantil?:
Morena, morena
Dos olhos castanhos,
Quem te deu, morena
Encantos tamanhos?
Encantos tamanhos
Não vi nunca assim,
Morena, morena,
Tem pena de mim
E segue um verso se encadeando à estrofe seguinte, enquanto, entre cabras e ovelhas, além de um cão pastor, um padre velho se agacha escondido para se surpreender com o menino Daniel, seu aluno de latim e candidato ao seminário, deitado à relva e muito bem deitado a louvar num canto ou récita a sua pastora, uma pequena rapariga ou zagala que folheava um livro enquanto tirava o retrato do moço cantor com seu olhar de sorriso.
Pelo cenário e mais a zagala como é chamada a pastora, dá para ver que fui muito longe. E onde nunca havia ido, ainda que não faltassem os estímulos do velho professor Milton Delone, do antigo ginásio Castro Pinto, seguidor estrito da gramática e da mais antiga antologia: “Leia Julio Diniz, seu Lula. É um campestre como o senhor, sendo que num quadro virgiliano, um Bernardes de simplicidade”. A recomendação não me era estranha. Esse nome sempre vinha de cambulhada com outros que, de Alagoas, o prefeito Graciliano já enjeitava como gente que escreve de trás pra diante.
Eu havia chegado há pouco de Alagoa Nova , passado pelos cantadores de Campina e arremedado, por escrito e sem nenhuma espontaneidade, as suas quadras e sextilhas. Camões me chegara a retalho, num ou dois versos extraídos para análise lógica que nunca aprendi. Por causa do ginásio e desse professor Delone, andei soletrando uns dois ou três clássicos, armando a rede com Eça e achando que não precisava mais. E passei em branco muitos e muitos, inclusive esse Julio Diniz que o sebo de Anacleto faz cair em minhas mãos.
E numa hora em que me acomete a funda necessidade de retornar ao lugar de onde nunca devera ter saído e a situações que deixei em livros como esse do bom Diniz, “As pupilas do senhor reitor”. De voltar a éclogas que a poesia de 1922 não consentia. Como essa que acabo de ver cantar o meninote feliz porque efetivamente imortal em pessoa e em seu momento. E de um tempo em que o romance sempre tinha epílogo edificante.
O que a alta ciência não me dá, sem mais o Pasteur ou o Oswaldo Cruz, estou vendo se acho nesse livrinho de R$ 5 reais que o Anacleto não quis receber: “Não, seu Gonzaga, não precisa pagar, eu nem dava mais por ele, pode levar.”
Não há infelicidade que o novelista não atenue. Toma-se dos poderes de Deus para governar as ações do homem e do mundo segundo a sua fé e, sobretudo, o seu coração. É o romancista da velha burguesia portuguesa, do fim feliz, e encanta o desvelo com que fixa os seus tipos femininos, as Claras e Margaridas que são quase todas uma bela estilização da vida. Eça, que vem um pouco depois, já nos prepara para o realismo que tem dado trabalho encarar, quanto mais sair dele.