O amor faz parte da poesia da vida. A poesia faz parte do amor da vida. Amor e poesia engendram-se mutuamente e podem identificar-se um com o outro.
Edgar Morin, em “Amor, poesia, sabedoria”.
Edgar Morin, em “Amor, poesia, sabedoria”.
Juca Pontes é uma daquelas pessoas que têm a infância no olhar. Talvez uma certa inocência sapeca que ele próprio redescobre nos filhos e netos que o rodeiam e o emocionam. Nasceu com “um certo talento para o pôr-do-sol”, como define Adriana Falcão para o que seja um poeta, no seu Pequeno dicionário de palavras ao vento. Ou como o menino de Manoel de Barros:
"Meu filho, você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
... e com as suas peraltagens..."
O seu livro As flores do meu jardim e outros poemas sobre a infância e o tempo, me parece um espelho desse menino/a que todos/o temos dentro de nós, mas que só os puros d'alma conseguem manter. E, mais ainda, projetar essa meninice bonita para a poesia. Adriana Falcão também define o “belo” como: “Tudo o que faz os olhos pensarem que são coração”.
O crítico italiano Roberto Cotroneo, em seu livro Se uma criança, numa manhã de verão… Carta para meu filho sobre o amor pelos livros, fala dos livros que queria que o filho deveria aprender, assim como se fosse o veleiro de Peter Pan. Tenta despertar o gosto pelos livros todos, como esses veleiros disfarçados, mas que possuem o mesmo encantamento do barco movido a pó dourado. Juca faz isso com esses poemas e suas dedicatórias. Quase como querendo que todos se encantem com o veleiro mágico, o pó e tudo mais da magia da poesia.
Juca possui realmente um jardim de flores! Maíra, Iam, Tao, Jade – inspirações das pedras, índias, ou dos orientes. E Ravi, Maya, Ben e Joaquim. Que rima com jardim! Mas esse jardim é maior que os laços de sangue. E Juca segue em luzes, timoneiros, alegrias, e flores do amor. Homenagens a pessoas queridas e da vida. E continua. Em cada verso, um oferecimento: tem Marias, Lúcias, Dulcinas, Durvais, Ronaldos, Raimundos, Vandilzas, Marisalvas, Gorettis, Iveraldos, outros laços. Nomes indígenas: Aruana, Uirá, Cauã. Nomes de flor: Margarida, Isa e Carvalhos. Nomes bonitos: Esmeralda, Lara, Amora, Janine, Janaína. Apelidos: Déo, Nega, Neto, Bia, Segundo, Bizu!! Do bem-querer. Tem nome de vó e vô: Edilma e Francisco. Vânia e Phidias. E mais: primos, tios, amigos de infância, parceiros. Tem até nome de Bola, Gordo e Galinha. Um coronel: Luiz Alves. Nomes curtos: Jude e Gael. Quartetos: Lílian e André, Silvana e Fernando. E outras tantas águas e lavouras de memórias. E outros tantos poetas. Artistas. Pintores. Fotógrafos. E outros patrícios florescidos. E com aura! Juca conhece e é querido por todo mundo. Por todo um mundo. De Eulajose ao barbeiro. Passando por Ângela cantante e seu modo de ler. Tudo por inteiro! Sublimes afetos!
Jô Cortez, com seus traços de meninice, foi certeira nas ilustrações dos poemas. Ilustrações de algodão-doce. Tem ninho, passarinho, balões, linhas que sobem e que descem nas escadas das proporções. Uma casinha aqui.
Parece guaches, parece pétalas. Parece sonhos. Parece filó cor-de-rosa. Ou azulzinho. Quanta delicadeza! Pois tem uma janela que avista um cavalo-marinho. Uma pose de yoga que saúda Teo? Ou Tao? Fogueirinha de São João balão. Pois o menino poderia ser o Pequeno Príncipe e o que te cativas! Aninhados. Na chuva. No sol. Ou na lua cheia. A capa? Quatro crianças dançantes, também parece Matisse, parece laço. Afeto! E nas ondas de Xuxu, os metralhinhas navegam nos mares da vida. As fadas se encontram com as bailarinas. Com os anjos. E rezam. Na quietude das letrinhas dos meninos da imaginação de Juca. Na imaginação de Juca. Macacos me mordam! Tem bicho pra revolução Orwelliana nenhuma botar defeito: gato, cão e Federico! E Tigrão. Eu juro que também tem tanajuras voando. Não me digam! E ainda tem juras, pavão, beija-flor, pardal, um gato, tartaruga e um boi que se veste de rio!
E a casa e os seus cômodos! O rio, a casa do avô. Rosários. Pontes. Brinquedos. Sanfonas. E o cordel encantado. No engenho tem Augusto. E a música? Um fado. E uma escadinha para se alcançar o topo?
E de cuecas e sapequices, a poesia de Juca rompe rios, enlinhada em fios, pergunta pelo azul e pelas admirações. Desfia até a outra margem, sem nem perguntar por Guimarães. O Rosa. E carrega aos bocadinhos o amor para dentro de cada gesto, das suas palavras, como “A menina que carregava bocadinhos”, de Valter Hugo Mãe.
Fala do tempo. Aquele, que não é brincadeira! Aquele, "onde moram os quandos” que Adriana Falcão também não brinca. Mas, “o que é o tempo? Se não me perguntam o que é o tempo, eu sei. Se me perguntam o que é, então não sei”. Já dizia o Santo. Agostinho! Juca passeia por esse desafio do tempo tempo tempo.
Muitas princesas no jardim dos poemas das flores de Juca. Lindas meninas-margaridas. Bem me quer. Mal me quer. Clave é uma palavra musical! A de sol. Pra se bordar na poesia dessas meninas de Juca. Ô passarinho, voa! Não vale adivinhar o tempo. Pois só a lua é nuvem! E só o passarinho voa, no sonho da cueca. E Isadora que adora o mundo! O espelho! Diz diz diz — quem que adora Isadora? O amor chiclete faz bem. É doce. É belo, Margarete! Mas, bonito também é a palavra alfenim. Que também é doce, que bica a língua ou o short do menino...
E contando histórias de ninar, da bela adormecida, do príncipe encantado, do sapo e do sono profundo, da bela, da fera, de todos os reinos e das aranhas arranham as jarras, lá, onde somos amigos do rei, escutamos uma voz do coração; uma linha torta, quem sabe linhas do amor? E no trem dessa desenvoltura, com tanta palavra de poesia, segue um vento viageiro, num trilho do verbo adolescer, num tempo presente para bordar os netos, nesse vento, nesse tema tempo de jardim.
E lá segue o poeta fingidor, com o seu todo dia é dia de Maria. Todo dia é dia de poesia! A poesia do tempo. O tempo que corre, que navega no mar. Devagar... Manuela na janela? Só Carolina não viu. Viu?
Juca faz referências a Narciso, aos espelhos, às luas, às saudades, à beleza, à felicidade. Por que nunca sabemos quando estamos felizes? Já se perguntaram um dia. Mas Juca sabe. Sabe ver cabelo em ovo, cueca no sapeca, princesa na lua, caracóis e girassóis quando tudo parece cinza. Flor e gesto, nas folias dos afetos. As rainhas. Felicidade se carrega na roda do tempo. Na aurora da sua vida.
Taosicha? Cachinhos. Enroscados em pimentinhas e fadinhas. Baila comigo, Gabi. Baila ao som de Hey Jude! Uma menina e os livros nesse lindo céuzinho anoitecido. Cafuné? Palavra sã. E araçá, que tem doce no gosto de goiaba pequena. Fiona que amava Federico que não é Lorca, mas que amava Drummond. Desfila Pitoco! E ladrido? É uma palavra triste.
Tão lindamente, Juca canta, talvez com uma certa melancolia, a “Casa da Infância”. Casinha, casão, castelo. Como disse o filósofo Gaston Bachelard na Poética do Espaço: “... a casa não vive somente no dia a dia, no curso de uma história,
Ou ainda “é pelo espaço, é no espaço que encontramos os belos fósseis de duração concretizados por longas permanências. O inconsciente permanece nos locais. As lembranças são imóveis”.
E as boas lembranças de Juca estão no rio, nas fazendas, aos pés das igrejas, no brejo, na casa do avô, em Campina, no Capibaribe, na Borborema, nas pontes do seu nome, nas calçadas, nos endereços dos rosários dos rios, ou no de uma mãe no horizonte, ou ainda nos suspiros de neve. Ou mais ainda, nas auroras, na luz e na canção.
Saudades e lembranças dos brinquedos, das feiras, dos largos, das matrizes, dos céus, dos bordados, do tempo! A trilha disso tudo? O cordel, Gonzaga, chapéu de couro, uma sanfona. E o corpo? O que se desconjunta. Como pode uma sanfona em ti?
E nesse vaguear por aí, pelas linhas do pensamento mágico, a poesia de Juca tem filosofia. Pequenas verdades, "ventos do pensamento, consciências e coincidências. O universo da poesia, do poema. Do poeta. Cabe tudo nesse mundo? Quem sabe no fio. No fio dos versos. No fio do rio e do amor. Com lua cheia, por favor!
“Os livros são parentes diretos dos aviões, dos tapetes-voadores ou dos pássaros. Os livros são da família das nuvens, e como elas, sabem tornar-se invisíveis enquanto pairar, como se entrassem dentro do próprio ar, a ver o que existe para depois do que não vê. Os livros são também toupeiras ou minhocas, troncos caídos, maduros de uma longevidade inteira... Eles saber chover e fazer escuro, casam filhos e coram, choram, imaginam que mais tarde voltam ao início, a serem como crianças. Os livros têm crianças do dependuro e giram como carrosséis para ouvir, rir e para as fazer brincar… Os livros querem sempre ver e estão sempre a contar... Todos os livros são infinitos. Começam no texto e estendem-se pela imaginação”.
E assim são as flores do jardim da poesia de Juca. São tapetes, nuvens, toupeiras, que falam, brincam e bisbilhotam as belezuras dos filhos e netos. E dos amigos. Esse jardim de Juca é infinito!