Na turma, todos queriam ser escritores. Rabiscavam contos, poemas ou trechos de romances e mostravam uns aos outros em mesas de bar ou num dos bancos da praça. Enquanto um lia, o autor esperava ansioso o veredicto.
— O texto tem qualidade, sem dúvida, mas...
— Mas o quê?
— Falta alguma coisa.
Voltavam então para o quarto, tensos e aflitos, e se debruçavam sobre a papelada em busca da tal “alguma coisa”. Muitos tratavam de reescrever tudo, por acharem que era melhor mudar “a coisa toda” do que se angustiar à procura de algo sutil e impalpável que o colega julgara faltar. O problema podia muito bem estar no avaliador, que sem condições para o ofício apontava defeitos onde não havia.
Assim como certas mulheres se sentem mal-amadas, eles se sentiam mal julgados. Por isso foi um alívio quando descobriram Pedrosa. Pedrosa era quem, entre os membros do grupo, tinha a maior biblioteca. A despeito disso, não escrevia. Não o tentava a vaidade de “ficar”, ser um nome admirado pela posteridade. Essa despretensão o tornava insuspeito de sentimentos menores, como a inveja.
O grupo passou a levar seus textos para Pedrosa com o desespero de náufragos que só dispunham de uma canoa para escapar da ilha deserta. Ele os lia e não dizia nada. Às vezes sorria no meio da leitura, com a expressão de quem achara ali algo original. Noutras vezes crispava o rosto num aparente esforço para entender, e seus olhos tinham a baça fixidez de quem perscruta um enigma. Agia assim com todos.
Depois de Pedrosa, passaram a brigar menos. Como era sempre a ele que recorriam, não dependiam mais uns dos outros para avaliar seus escritos. O que Pedrosa dizia (ou melhor, não dizia) tinha um ar de julgamento definitivo.
Mas um dia alguém veio com a insinuação malévola:
— Pedrosa... sei não.
— Que é que tem Pedrosa? É um crítico excelente. Depois dele tudo mudou entre nós.
— Falta alguma coisa nele.
Lançada a suspeita, a desconfiança prosperou. Passaram a desconfiar das avaliações silenciosas de Pedrosa e resolveram colocá-lo no canto da parede. Ele tinha que falar, explicar, dizer com clareza o que achava do talento de cada um. Ninguém se contentava mais com sorrisos, gestos vagos, contrações da face. A pressão foi tanta, que o amigo resolveu falar.
Confessou que não entendia nada de literatura e até fazia um esforço enorme para ler. Isso explicava o olhar fixo, as contorções no rosto, o sorriso autoindulgente. Gostava de livros como objetos de decoração, daí a sua enorme e colorida biblioteca. Por outro lado, nunca enganara ninguém. Seus julgamentos eram lacunas onde cada um inseria o que achava conveniente.
Por esse raciocínio, que a maioria achou sensato e engenhoso, Pedrosa foi absolvido. Ele podia não ter uma grande bagagem de leitura, mas era sem dúvida inteligente. Diante disso, após uma rápida votação, resolveram mantê-lo como leitor privilegiado. Na vida, afinal de contas, sempre faltará alguma coisa.