NÃO SE USAM MAIS PÉS PARADOS
Não se usam mais pés parados. E o traço desfeito, o arrebol da estrada, o sentido de um bilhete ao vento, são insultos, farsas. (A poesia rege as cordas despercebidas do Mundo; é a brisa incógnita sobre o Leviatã.) Cobramos por tudo, inclusive pelo silêncio dos mortos. E esse eu meio bruma, meio cilada dos números, é o ferrolho no portal das embaubeiras, o soldo do obstinado pelo rastilho dos cristais. Nada basta no reino das sobras, onde a urgência fere a beleza. (A poesia é a surpresa desentendida, o que cai sem peso, o inusitado preenchimento azul do abismo.) E ficamos todos aqui, moucos, dispersos, agitando os pés sob as mesas.
Não se usam mais pés parados. E o traço desfeito, o arrebol da estrada, o sentido de um bilhete ao vento, são insultos, farsas. (A poesia rege as cordas despercebidas do Mundo; é a brisa incógnita sobre o Leviatã.) Cobramos por tudo, inclusive pelo silêncio dos mortos. E esse eu meio bruma, meio cilada dos números, é o ferrolho no portal das embaubeiras, o soldo do obstinado pelo rastilho dos cristais. Nada basta no reino das sobras, onde a urgência fere a beleza. (A poesia é a surpresa desentendida, o que cai sem peso, o inusitado preenchimento azul do abismo.) E ficamos todos aqui, moucos, dispersos, agitando os pés sob as mesas.
TERCEIRA MARGEM
Para Flávio Viegas Amoreira
A terceira margem, fundo do rio,
aguarda, sob as águas, cada corpo
que pesa e se desprende em voo tardio
tal sonho derramado por um sopro
que faz pesar as pernas, os embustes,
esfacelar espelhos, cortar pulsos,
rogar com desespero por abutres
de voo carniceiro sobre os justos.
E se de tanto nada faz-se o vulto
que tomba do lajedo, da encosta,
se faz estranho o peso, absurdo
o baque sobre as águas maculadas,
é que há um segredo em cada bruto,
levado para o fundo da jornada. SONETO SEM TETO
O tédio faz brotar o Eu perverso, nos cantos esquecidos dos escombros, e da sombra, o rugido do universo surge na boca imensa do ser manso. Pois se o calor emana da tristeza, e a paixão é pólvora do selvagem, o sopro faz tremer a chama acesa, e a urgência é a medida da voragem. E nada sobra que se preze e guarde àquele ser que se debate firme contra uma vida que esmaga e late. Resta o engate ao cerne da maldade, sem esperança, se atirar ao crime, e ser centelha no porvir da tarde.
O tédio faz brotar o Eu perverso, nos cantos esquecidos dos escombros, e da sombra, o rugido do universo surge na boca imensa do ser manso. Pois se o calor emana da tristeza, e a paixão é pólvora do selvagem, o sopro faz tremer a chama acesa, e a urgência é a medida da voragem. E nada sobra que se preze e guarde àquele ser que se debate firme contra uma vida que esmaga e late. Resta o engate ao cerne da maldade, sem esperança, se atirar ao crime, e ser centelha no porvir da tarde.
DE PROFUNDIS
Homem não é centro, é mundanidade, mas impregna a terra, frágil promessa estendida aos pés, que, com toda pressa, enche de verbo e pó o céu - miragem. Queda-se o bom, o mal, deus e o diabo, desaparece o homem, fruto do espaço, e a sentinela desperta o mormaço da aurora que espreita o pecado, pois cada súplica, lamento, oferta, resta incógnita nas ramas da tarde, que não acoberta o erro, a empáfia dos salmos e os apelos dos covardes que surgem e se insurgem nesta Terra, desfrutando a essência do milagre.
Homem não é centro, é mundanidade, mas impregna a terra, frágil promessa estendida aos pés, que, com toda pressa, enche de verbo e pó o céu - miragem. Queda-se o bom, o mal, deus e o diabo, desaparece o homem, fruto do espaço, e a sentinela desperta o mormaço da aurora que espreita o pecado, pois cada súplica, lamento, oferta, resta incógnita nas ramas da tarde, que não acoberta o erro, a empáfia dos salmos e os apelos dos covardes que surgem e se insurgem nesta Terra, desfrutando a essência do milagre.
AUTISMO
Para Josina Drumond
Derrame-se, lambuze-se no espaço,
esvazie seu deserto de perdas
neste simulacro, falso regaço,
mas deixe nas margens alguma prenda.
Sei que o verso, este destemido invalido,
guarda a casca a se desprender da pele
de um corpo forjado em febril acaso
imberbe e sem rumo, a purgar de febre.
O crime imperfeito, toda essa farsa
da imensidão do Mundo sobre o olhar
alienado, despejado nas páginas,
é a forja que lhe cabe, a tragédia
na linhagem eterna dos poetas
que flertam o ocaso da matéria.