Muito antes de ver esse filme (Sob o Sol da Toscana, 2003), já era fascinada por conhecer a Toscana. Em 1975 fui a Florença pela primeira vez e em 1987 visitei Siena. Os tons ocres e os ciprestes me encantaram.
Tempos depois, fiz outro pouso em Florença. Saimos de Milão e, em pouco mais de uma hora, estávamos em frente ao Duomo — aquela catedral de mármore verde e branco —, à Santa Maria Del Fiore, ao Palácio Velho, ao Batistério de S. João e ao Campanário de Giotto, que nos deixaram surdos... para não dizer mudos, diante de tamanha beleza. Sem esquecer de um olhar mais atento às Portas do Paraíso, às ruelas, mercados, de comprar uma bolsinha de couro, e de estar em um museu a céu aberto, com a lua cheia sobre o rio Arno e a Ponte Vecchio, seguindo pelo Corredor Vasariano. Adiante, o Bairro dos Medici e todas as barraquinhas do mundo. Indianas inclusive, para nosso deleite, boquiabertas. A Piazza della Santissima Annunziata, a Basilica e todos os túmulos, menções à parte. Tinha uma estátua de Dante no meio do caminho! E Daniel me pergunta ingenuamente o porquê de querer ver tanta gente morta.
Um passeio flanando sem mapa. Descobrindo castelos, o centro político da Piazza della Signoria, estátuas na rua. Ih, uma de cupido! Soltando beijinhos para nós todas. Fotos, flashes e selfies. A Galleria degli Uffizi, a beleza esplendorosa de Botticelli, sua Primavera, o Nascimento de Vênus, a de Milo; Anunciação de Leonardo e mais: Ticiano, Caravaggio e Rafael. E finalmente o Museu Accademia para nos render aos encantos do Davi, de Michelangelo. Ficamos eu e Bebé desnorteadas diante daquela imensidão de homem/menino, como também das estátuas chamadas de Escravos, que o próprio Michelangelo dizia ser tão fácil de esculpir, bastando tirar os excessos do mármore! O porquinho de Pietro Tacca; a Loggia dei Lanzi; Giambologna: o rapto das Sabinas; e Cellini: Perseu. Compro um livro e leio sobre Santa Maria Novella e o palácio Pitti. Não sabemos para onde olhar, nem mais o que exclamar. A arte, a beleza são realmente desconcertantes.
Mas é das alturas da Piazzale Michelangelo que se tem a melhor paisagem. Com todos outros Davis nus nos indicando as escadarias, onde todos se sentam para ver o por do sol. O sol da Toscana e todos os seus tons alaranjados. Gira o sol! Um músico solitário arruma os seus instrumentos e lá começa a tocar clássicos do rock. Nada mais destoante. Mas quem há de negar que essa lhe é superior? Voltamos ao centro literalmente aos pulos, pelas ladeiras, pelos córregos, batentes, por entre os musgos, as flores, e a cúpula da catedral — a nossa bússola.
À noite, um risotto de alcachofra. A igreja Santa Croce. Mulheres dançando na praça. Juntamo-nos ao coro, digo, à dança. Há uma maratona e lá se vai Daniel a correr. Fazer a base em Florença é um luxo só. Capital da Toscana, pode-se tomar o rumo que se quer. Dessa vez o roteiro é modesto. A prioridade é provar as delícias, tomar vinho da casa e andar sem destino. Sem economizar.
Uma excursão valiosa. Ônibus cedinho para San Gimignano. Um lugar medieval, no alto de colinas, todo em tons de ocre/terracota, rodeado de muralhas, com muitas torres. Onze, acho. Cada beco, um susto. Poucos habitantes. Muitas lojinhas de sabonete, alfazemas, iguarias, temperos, azeites e balsâmicos. Compro umas trouxinhas de temperos especiais para saborear nos pestos e penne feitos modestamente. E minha cozinha toma ares das colinas e dos ciprestes...
Próxima parada: uma vinícola Chianti, com direito a degustação, pequenas porções de pecorino, massa ao pomodoro, vinho de entrada, de saída, bruschetta e vinho santo com biscoito. Sinto-me Santa Madalena arrependida dos pecados da gula.
Depois a tarde em Siena. Que majestade aquela praça! Comprar lenços belos e me sentir Cláudia Cardinale por alguns momentos. Ter os pés doídos naquelas pedras antigas, imaginar os gladiadores, músicas, domingo à tarde... Sempre aos domingos!
Findamos numa vila típica da região: Monteriggioni, com lojinhas, penhascos, cafés, sapatos exóticos, ramas de alecrim, flores lilases e aquelas cenas tão típicas de filmes: “Comer, beber e rezar”, “Um ano bom”, De repente fico confusa com Russel Crowe nessas produções — um lutador e um homem que se modifica com a paisagem e com o vinho). Passo a entender o que ouvi certa vez em uma entrevista de Isabella Rosselini, ao relatar o que sentia quando estava na Itália. Falava da subjetividade italiana, que a conquistava com suas gritarias, as mãos falantes, o sabor das comidas, os aromas das ervas e, claro, os vinhos. Como todos que assistiram ao filme que dá título a esse texto, ainda vou alugar uma casinha em Cortona.
Em outro dia, ainda teve Lucca, suas muralhas e sua duomo. Um drink na Piazza dell'Anfiteatro. Passeios errantes nos jardins que cercam esse lugar tão belo. Passamos na casa de Puccini. Confesso minha ignorância em óperas, mas chego a ouvir o som da Tosca, La Bohème e Madame Butterfly.
Viva as regiões pitorescas como a Cornuália (Inglaterra), Provence (França), Toscana (Itália) e Andaluzia (Espanha) e todo o charme dos pequenos lugares mimosos mundo afora.
Chegamos em Roma para mais um encantamento — “Para Roma com Amor”! Uma hora e meia de trem de Florença. Uma paisagem exuberante. A estação Termini, sempre uma emoção nos trens. Vai e vem. Tudo acontece. Estou em um filme de Fellini ou simplesmente a trilogia "Antes e Depois do Amanhecer", em Viena e Paris? Aos meus ouvidos a trilha é uma só: Nino Rota.
Não é minha primeira vez em Roma. Mas, depois de algumas décadas, o meu olhar com certeza é outro. Quero re-ver, contemplar e me deleitar simplesmente. Atônita com toda a beleza romana e seus principais sightseeings: O Coliseu, seu silêncio assustador e o murmúrio dos que ali sofreram. O Fórum Romano é um negócio! Ruínas, o Império, a História e tudo que estudei no ginásio... os olhos não cabem. A máquina fotográfica não cabe. E nós, literalmente, em silêncio profundo. Em total êxtase e respeito àqueles momentos históricos. A majestade do Senhor do Tempo.
O Monumento a Vittorio Emanuele II é algo que destoa das ruínas, mas também nos deixa sem voz pelo descalabro da imponência. Olhos voltados para a Tiberina, para a Piazza della Republicca e para a Fonte das Naiádes. A Basílica de Santa Maria Maior, a Fonte de Barcaccia, a Piazza Del Popolo, o Castelo Sant'Angelo... Um passeio na Via Veneto. O Pantheon! Fico muda novamente. E surda. Só vejo luzes, sombras, ruídos do mundo antigo. Ouço Vivaldi nos fones do ônibus, voltas ao Coliseu, ópera. Viva Itália! A lembrar de Chico Buarque e seus depoimentos apaixonados por esse país. Ou ainda de Marcello Mastroianni, Sophia Loren, Monica Vitti, Stefania Sandrelli, Laura Antonelli e uma outra Anita, a Ekberg, com seus seios fartos, desnuda na Fontana di Trevi. Lembro-me dos filmes no Cine Municipal e todos os Divórcios à Italiana. Tin tin com vinho, mussarela de buffala e aceto balsâmico!
A noite é em Trastevere. A Olinda Romana. Que chegada! What a view! À noitinha, no lusco-fusco, uma lua cheia só para mim, um homem tocando safona, outro tocando Lady Madonna e Yellow Submarine. Sempre sinto uma nostalgia alucinante ao ouvir música nos lugares onde vou. Foi assim com um certo solfejo de realejo em Pigalle, Paris, há décadas; ou uma outra sanfona em Notting Hill, nos mágicos 70s. Vou me enforcar de tantas echarpes! Da Bolívia, de cashmere, rosas, fúcsias, todas as cores. Por alguns momentos sou Isadora. Duncan! De repente um restaurante de nome “Baccanalle”, sugestivo! Ai meus sonhos! Mil perdões!
Café expresso, lungo, macchiato, cappuccino, croissants... Amore mio! Muitas línguas aos ouvidos e a sanfona da pontezinha a caminho de Trastevere não me sai das lembranças. Flanando nos lugares, ouço Dire Straits e Pink Floyd pelas ruas... O mundo é rock! La Dolce Vita! O cinema! A grande Beleza! La Strada.
A Piazza di Spagna! A Piazza Barberini! A loja de Águas de Parma! Sou tratada como artista.... mas como não sou, olho tudo, experimento todos os aromas e vou brincar de Madame na Dolce e Gabbana! Sem ler as notícias do Brasil, me sinto alienada. Folheio o Corriere della Sera... Mas como é bom passear no Leblon, digo, em Roma.
Na Piazza Navona, peço passagem para fotos. E a Fontana de Trevi? Um amontoado de turistas, e nem verão era. Jogo moedas de frente, de trás, de todos os ângulos. Quero voltar!
Passeio pela Sétima Colina, jardins exuberantes, por do sol e, voyeur que sou, olho pelo buraco da fechadura e vejo a cúpula da Capela de São Pedro. Fui ao Vaticano e não vi o Papa. Já conhecia a Capela Sistina e perdi de vê-a novamente. Nem a Pietá. Alcachofras ao azeite, Prego!
Confesso que depois de alguns dias ficamos imunes a tanta beleza. Desleixamos as obras de artes e os museus. Com o passar do tempo, tudo fica óbvio demais e tudo o que queremos é rua, gente e paisagem a céu aberto. Já não conseguimos enxergar tanto. Ficamos com o olhar acinzentado de tantas cores e formas.
É hora de voltar para casa. Aquietar-se. O cotidiano. Nossa cama. Nossa intimidade de um olhar só. Para depois quem sabe, lançar-se de novo a outros destinos. Destinos de cores púrpuras!
Arrivederci, caro diário!