Newton Leite, que nos deixou na última segunda-feira, aos 84 anos, foi uma das minhas surpresas quando fez de um projeto difícil, com a complexidade que sugere a implantação de um hospital-escola num meio precário de recursos e de apoio técnico, uma vitoriosa realidade. Refiro-me ao Hospital Universitário, iniciado no reitorado do capitão Guilardo e franqueado ao grande público na gestão de Lynaldo Cavalcanti.
Conheci Newton pelo pai, Cícero Leite, vereador enquanto permitiram os anos e sobretudo as pernas. Ainda hoje, não olho para a balaustrada (o belvedere que o presidente Epitácio achou uma estroinice do governador Camilo de Holanda), que não veja, de imediato, o velho Cícero Leite com o olhar bem atento a cada passo de seu trajeto entre a residência, pegada com a balaustrada, e o Ponto de Cem Réis. Olhava para baixo a cada passo e pisando ligeiro.
“Como vai, senhor jornalista?” – era como me avistava. Newton Leite, quando o conheci, conheci como filho de Cícero Leite. O guarda-sol do pai é que lhe dava a melhor cobertura. Estudante de engenharia, chegou por concurso a oficial da nossa PM. E já com outras especializações como a de engenheiro-biomédico é convocado para a construção e montagem do hospital. E foi aí que o rapaz de Cícero Leite revelou pulso e dinâmica de raro empreendedor, na medida do que a Universidade de Lynaldo precisava.
O avanço metropolitano da nossa querida João Pessoa, em conluio solitário com o da nossa idade, nos encobriu vivos antes que o fosse para sempre. Da última vez que nos falamos, ele se associava, espontaneamente, a meu empenho para manter, no Brasil, a permanência de um meu genro, como ele também engenheiro biomédico, especialidade sem vaga nos quadros da época.
Segunda-feira passada, cedo da manhã, toca o telefone. Eu me achava de olho numa nesga fina e faiscante de mar ao sol nascente, que chego a avistar por entre as torres vitoriosas da construção civil, suspenso da vida e do mundo, aqui do meu undécimo andar do Expedicionários.
Não precisava dizer, conheço pelo Maia da voz:
— É Ricardo, Gonzaga. Desta vez é para te dar uma notícia triste: morreu hoje de manhã o nosso Newton Leite.
Comentamos o instante de hoje com os feitos de ontem e, findo o telefonema, fiquei pesando “o nosso” da expressão do Dr. Ricardo. Ele, Ricardo Maia, também dirigiu o mesmo hospital. Sabe de experiência feita o que é administrar um hospital-escola, neste Brasil das imprevidências, dos orçamentos quebrados, ao deus dará, administrar sem tratar o paciente como simples experimento, para não dizer como cobaia.
Não fui médico, muita gente se salvou por conta disso, mas convivi na intimidade com o espírito de muitos desses profissionais. Quantas vezes saí na madrugada do jornal para deitar e ouvir conversa dos plantonistas do Pronto Socorro, da Cândida Vargas, da São Vicente: Rivadávia, Paulinho Soares, Lindberg, Mazureik, Jarbas Vinagre, Ivan Régis, hospitais que ficavam em meu caminho e médicos, na prática, de sentida consciência social. Não invadi o plantão de Newton Leite, nem sei se ele deu algum, mas acompanho o HU de ontem e de hoje, que só não é maior do que a demanda.
Publicado n'A União, em 21/04/21