Esse livro de Francine Prose resgata a velha definição de que a literatura é a “arte da palavra”. O grande compromisso de quem escreve é com a matéria verbal, que se deve explorar em todas as suas possibilidades.
Muitos, sobretudo no meio acadêmico, parecem se esquecer disso. Utilizam o texto como pretexto para a veiculação de mensagens, conceitos e dogmas ligados a outros domínios do saber. Ou como instrumento de pregação ideológica. Tais pessoas, observa a autora, não amam a literatura. O que significa ler como um escritor? Francine Prose prefere responder isto citando um amigo: significa “pôr cada palavra em xeque”, ou seja, avaliar detidamente as escolhas de léxico, sintaxe, pontuação que podem tornar o texto expressivo.
O escritor é alguém para o qual cada palavra conta, na medida em que pode trazer suplementos de sentido que transcendem o simples registro da informação. Esse “algo mais” é que define o estilo. E distingue o escritor do redator.
Ler como escritor é também ler muito. “Quanto mais lemos, mais compreendemos, mais aptos nos tornamos a descobrir novas maneiras de ler (...).” A obsessão pela leitura não se recomenda apenas pelo que traz de aprimoramento ao próprio ato de ler; é também útil porque “ler um livro pode nos fazer querer escrever um”. Todo escritor é produto dos livros que leu, e ninguém constrói seu artesanato, ou seu estilo, sem ter mestres que um dia pretendeu imitar.
Como bem destaca Italo Moriconi na Apresentação, “a lei maior de Francine Prose é: aprendemos através de exemplos”. Os melhores exemplos são os clássicos, mas não apenas deles podemos retirar os modelos. É possível encontrar na contemporaneidade, ainda não canonizados pela história literária, autores que se constituem em referências de boa escrita. Descobri-los é tarefa de críticos, jornalistas e professores de redação empenhados em motivar seus alunos com exemplos às vezes atraentes porque atuais.
O melhor de “Para ler como um escritor” é a parte prática, que constitui quase todo o livro. Prose dá aulas de como interpretar, surpreendendo-nos com a riqueza significativa que extrai de uma palavra repetida, um período mais ou menos extenso, um parágrafo aparentemente deslocado.
Sua intimidade com os textos deu-lhe uma ciência própria, que a faz contestar certas verdades contidas nos manuais de redação e estilo. Uma delas é a de que se devem escrever frases curtas: “Não é o gigantismo da frase, mas sim sua inteligibilidade que a torna tão digna de ser estudada e decomposta em suas partes componentes”. Outra é a de “cada parágrafo deveria começar com uma frase tópica” (o chamado “tópico frasal”, tão incentivado nas aulas de redação).
Com desconcertante humildade, a autora confessa que “nunca soube bem o que era uma frase tópica”. Para ela, o parágrafo pode ser compreendido como uma “respiração literária, cada parágrafo sendo um prolongado — em alguns casos muito prolongado — fôlego”. Como negar que, ao iniciar um parágrafo, abastecemos com oxigênio novo o organismo textual?
“Para ler como um escritor” concilia erudição com prazer. Mostra que sensibilidade, intuição e atenção à linguagem são os recursos mais eficientes para se interpretar o texto literário.