Faz bem o poeta em escutar as suas vozes interiores, vozes “esquizofrênicas”* sem as quais o poema seria pautado simplesmente a partir de breviários estéticos ou de conteúdos programáticos. Aliás, já não era sem tempo de os poetas contemporâneos mostrarem-se livres atiradores, diferentes de quando as vanguardas, já exauridas, extenuadas, imprimiam à poesia brasileira uma articulação monocórdica, um repertório cheio de tiques e de cacoetes plenamente superados por força do uso. Tanto é assim que a lírica nacional tem incorporado alguns elementos do surrealismo**,
ao tempo em que articula um discurso calcado na primeira pessoa do singular, o que configurava, durante a vigência do concretismo e seus desdobramentos, uma verdadeira heresia.
A poesia de Mô Ribeiro passa ao largo do surrealismo, embora escute as vozes interiores com as quais dialoga para o constructo de um “lirismo com siso”, para empregar uma expressão cara ao poeta e ensaísta Amador Ribeiro Neto. Ou seja, um lirismo comedido, sem os derramamentos próprios de poetas adolescentes, imaturos, que desconhecem a sábia lição de T. S. Elliot: “(…) a poesia não é uma liberação da emoção, mas uma fuga da emoção; e não é uma expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade”. Esses poetas, equivocadamente, soçobram no mero biografismo quando concluem que o poema deve espelhar a mais pura e lídima expressão da verdade, além de conservarem a primeira versão do poema como a definitiva, pois, reescrevê-lo, elaborá-lo, significaria – segundo pensam – macular o que possuem de mais puro, orgânico e visceral: a espontaneidade***.
“Paganíssima trindade” (Editora Penalux, Guaratinguetá, 2020) é o livro de estreia de Mô Ribeiro, mas, nem por ser de estreia, revela a insegurança natural entre os que se iniciam nas lides literárias. É uma poesia lírica que, dificilmente, Massaud Moisés incluiria entre aquelas subordinadas “(…) à fase da adolescência, da imaturidade emocional”.