Em Pilar, todos os seus amigos o tratavam por Cláudio, o nome de batismo. Em João Pessoa, naqueles começos de 1960, ele era conhecido por Marcelino, apelido adquirido da semelhança impressionante com o ator mirim Pablito Calvo. Este último se fizera mundialmente conhecido pelo filme “Marcelino, Pão e Vinho” (1955), a história comovente do órfão criado por frades católicos, em plena revolução mexicana.
Depois de um ataque brutal à aldeia, o pirralho refugia-se no sótão do velho mosteiro, onde é atraído por uma imagem de Cristo. Em sua inocência, acha que a estátua padece de fome, oferece a ela pão e vinho e a descobre viva e amorosa.
Pois bem, Cristo não opera, ali, somente, o milagre da transmutação. Além disso, atende ao menino em seu mais profundo desejo: o reencontro com a mãe. Gerações choraram com este filme do diretor Ladislao Vajda baseado, dizem, numa história real.
Diga-se, porém, que de Marcelino, o menino Cláudio, um capeta de carne e osso, só tinha a incrível aparência. De resto, levou os malfeitos para a vida adulta. O alcoolismo frustrou, no nascedouro, sua carreira de jogador de futebol (o Botafogo o queria) e, igualmente, a de bancário. Mas, justiça seja feita, nunca prejudicou alguém, além de si próprio. A cirrose o apanhou, sem dó nem piedade, antes que fizesse os 40 anos.
Essa, porém, é outra história. Importa, agora, saber que foi para ver um filme de Cantinflas, também mexicano, que eu, um menino de Pilar recém-chegado a João Pessoa, me acompanhei de Cláudio até a bilheteria do Cine Plaza, no Ponto de Cem Réis. Tínhamos os dois a mesma origem e ele tratou de me advertir: “Não vá dar uma de matuto. Isso não é aquela porcaria de sala do Seu Zé Ribeiro. A tela, aqui, é cinemascope. Cabe nela aquele cineminha inteirinho”.
Se não cabia, era por questão de poucos metros. Mas, mesmo assim, não deixei de me espantar com o que vi depois de ingressar no ambiente escuro e acarpetado. O espanto, porém, tinha razão contrária à suposta pelo meu amigo. Aquilo não amarrava a chuteira do Cine São Luiz, no Recife, cidade onde morei, por algum tempo, com uma tia. Ele, sim, não sabia o que era cinema.
Até os dias de hoje, nada me impressionou tanto, nem tão bem, quanto os vitrais, os detalhes do teto e das paredes, em suma, o ambiente requintado e enorme do cinema recifense inaugurado em 1952 para integrar o conjunto das muitas salas do Grupo Severiano Ribeiro.
Levado pelas mãos do querido Tio Nerges à calçada da Rua da Aurora, também tomei, ali, aos 9 ou 10 anos de idade, minha primeira Coca-Cola. Devo tê-lo envergonhado por dois motivos: um arroto pelo nariz que quase me mata e o olhar espantado quando entrei numa das mais belas salas de exibição do País. O impacto daquilo tudo na minha alma de menino nunca mais se reproduziu nas fases seguintes da vida, mesmo que a profissão abraçada tenha me conduzido, vez por outra, a governantes em seus palácios e a salões majestosos.
Não entro no São Luiz há décadas. Mas sou informado de que ainda está em operação num mundo onde novas circunstâncias e novos costumes mataram os cinemas de rua.
Em João Pessoa, por exemplo, eles apenas existem nos shopping centers, menores e acanhados, porém, mais fáceis de limpar e refrigerar. Também, mais seguros, porquanto os pátios de estacionamento exigem, eles mesmos, bilheterias.
O amigo Cláudio viveu aqui o suficiente para ver a morte do Felipéia, Plaza, Rex, Municipal e Brasil (no centro comercial), Torre e Metrópole (no bairro da Torre), Jaguaribe, São José e Santo Antonio (em Jaguaribe), Glória e Bela Vista (em Cruz das Armas), apenas para citar aqueles dos quais me lembro.