Fui ao supermercado fazer as compras da semana. Notei tudo mais caro uns 15%. Peguei um Uber na volta.
No carro, o rádio tocava o grande sucesso de Cassiano, “A Lua e Eu”. Ao ouvir o verso “quando olho no espelho, estou ficando velho e acabado”, eu me identifiquei e pensei: “É mesmo...”
Ao chegar em frente ao prédio, numa rua e bairro considerados de “classe média alta”, peço ao motorista para me esperar enquanto vou buscar o carrinho para coletar as compras.
Percebo um homem do outro lado da rua. Ele revira o lixo na calçada da casa da frente, em busca de comida, com a máscara abaixada, talvez para já enfiar qualquer bocado goela abaixo assim que encontrasse. Sua pressa é justificada pela fome e pela vergonha. Fico atordoado. Atônito.
Entro no prédio com a cabeça fervilhando.
No caminho, penso em dar para ele o que comprei para minha ceia: dois pães e uma embalagem de presunto cru. Ingredientes com os quais faria a minha comida favorita, um “bocadillo de jamón”. Sou saudosista da Espanha. Lá eu nunca vi gente comer lixo.
Sim. Eu daria meu jantar para aquele homem. Mas quando eu voltei, ele já não estava lá.
Senti-me inútil, vazio. Juntei as compras chorando. Entro em casa arrasado.
Meu filho me pergunta:
— Pai, você tá bem? Seus olhos estão vermelhos.
Eu o abraço e beijo, dizendo:
— Estou, filho. Só estou um pouco estressado.
O Brasil voltou a ser assim...