Um santuário erguido pela fé católica no sertão da Paraíba atrai algo perto de 100 mil visitantes por ano. É o Parque da Cruz da Menina construído em memória da pequena Francisca, uma retirante da seca de 1923 entregue a um casal de moradores da cidade de Patos.
Acredita-se que, desesperados e famintos, pai e mãe desfizeram-se da filha para livrá-la da morte por inanição. Portanto, ao invés de um abandono impiedoso, teriam levado a cabo um gesto extremado de amor, desses retratados em romances sobre a mais exibida das tragédias nordestinas.
“Cem mil visitantes anuais é número que tende a aumentar”, avisa José Motta, vereador patoense e autor do livro que inspirou uma peça teatral homônima sobre a Cruz da Menina, dirigida pelo conterrâneo Roberto Cartaxo e já levada a palcos diversos, São Paulo entre eles.
A paixão de Motta pelo tema também o leva a integrar o Comitê Pró Beatificação de Francisca, instalado em 2007 com participações da Diocese, do Instituto Histórico e Geográfico de Patos, fundações culturais e segmentos universitários da cidade. “Temos conversado com autoridades da Igreja e estamos na fase do recolhimento de relatos acerca dos milagres atribuídos à menina”, conta. Em Patos, a história de Francisca, trágica e dolorosa, é repassada de geração em geração. Está impressa, dessa forma, na memória coletiva.
Mal sabiam os pais que haviam condenado a filha a uma vida de humilhação e suplício. O casal Absalão e Domila Emerenciano de Araújo, a cuja proteção a menina fora entregue, logo faria dela uma escrava. Ele se encarregava do funcionamento do gerador de luz da cidade e, embora de índole pacata, era incapaz de conter os excessos de fúria e maldade da jovem mulher, dona, aliás, de beleza ímpar. As surras em Francisca eram constantes, a última com a trave da janela que a menina esquecera de fechar antes de dormir. As pauladas racharam-lhe a cabeça e um dos braços. E, na mesma noite, o corpo era desovado no Sítio Trapiá.
Com o raiar do sol, o casal passou a espalhar o boato do sumiço da garota sustentado apenas até a descoberta do pequeno cadáver, dois dias depois, pelo agricultor Inácio Lázaro, alertado que fora pelos urubus. O histórico dos maus tratos e a confirmação das fraturas, depois do traslado para a Delegacia de Polícia, denunciavam o assassinato e sua autoria.
A proteção de figuras políticas evitou a prisão de Domila e Absalão, mas ambos fugiriam da cidade diante da crescente revolta popular. Passaram-se não menos de onze anos da data do crime até o primeiro julgamento do casal, em Campina Grande. A dupla seria inocentada neste e em mais dois outros julgamentos. Porém, já estava irremediavelmente condenada pela opinião pública.
A ORIGEM
Nos idos de 1923, Inácio, o agricultor, plantou uma pequena cruz no local onde havia achado o corpo franzino de Francisca. Passou-se o tempo, veio outra seca e com ela a súplica do roceiro José Justino feita aos Céus com a intermediação da menina, conforme acabava de decidir. Ato contínuo, escavou a cacimba com que abasteceria sua gente e salvaria o resto do gado. Agradecido, ergueu uma pequena capela no lugar da cruz, utilizando-se da mesma fonte d’água.
A primeira romaria dava-se em 25 de abril de 1929, data da inauguração. Depois disso, crescia o número de pessoas dispostas a pagar promessas por graças obtidas com a invocação a Francisca. Também corre em Patos a história de um americano para quem a garota aparecera em sonho com a promessa da cura de feridas que dele devoravam os pés. Para tanto, o moço bastaria ter fé e, graça alcançada, prostrar-se em reza sob o Céu azul e sem nuvens do sertão paraibano. E assim foi feito, com direito ao depósito de réplicas dos ferimentos do visitante no já consagrado ponto de romaria.
A fama de milagreira da pequena mártir – como passou a ser vista pelo povo – encheu o local a ponto de ele não mais conseguir abrigar as levas de romeiros com seus ex-votos, assim chamadas as reproduções de parte do corpo humano a que seja conferida intenção votiva, religiosa.
Coube ao então governador Ronaldo Cunha Lima inaugurar, em 24 de outubro de 1993, a imensa estrutura sob forma de pirâmide em que hoje se abrigam não apenas a capela original, mas, também duas Salas de Ex-Votos, uma Sala de Velas, restaurante, lanchonetes e lojas de lembranças. Toda a área é servida por alamedas, jardins e vasto espaço para estacionamento de carros ou ônibus com destino ao lugar, ou de passagem por ali a caminho de outros roteiros religiosos.
No momento, sonha-se, em Patos, com o êxito dos esforços para a beatificação da garota, fenômeno que alargaria o turismo e as oportunidades de emprego na terceira maior cidade paraibana.