Veio e se sentou no banco do calçadão. Emplumado em cetins e lantejoulas, os sapatos bicudos, a cara mastigada pela idade avançada. Retirou da maleta uma peruca colorida em vermelho e azul. Deu uma gargalhada e cantou um estribilho fácil de cançoneta perdida no picadeiro de finado circo. Geléia se apresentou a um público distanciado.
Poucos lhe davam atenção. Saiu dançando com a boneca Líria, ao som de um cd pirata vendido num desses carrinhos estacionados num canto. Requebrava-se e se sentia no passado. Certo que, àquela época, quem tocava era a charanga do circo pobre. Aqui, sim, riam com trejeitos e estripulias feitas, quedas e caretas. As crianças se dobravam de alegria e lhe vinham cumprimentar, após os espetáculos, acompanhadas dos pais.
Apesar do final daquele cirquinho em empanadas rasgadas, parco em maiores novidades, os poucos que ali atuavam: malabaristas, equilibristas, mágicos se entregavam de corpo e alma, amavam suas funções. No dia em que o dono do circo, velho e doente, chamou os artistas para comunicar o fechamento das atividades, todos choraram: a casa de espetáculos, onde muitos deles haviam nascido, era uma pessoa viva. Foram saindo, a olhar o mundo cinzento, abraçados, irmanados por uma dolorosa despedida do picadeiro.
Geléia nunca se conformou. Casado, hoje viúvo, sozinho (nunca fora pai) não tinha parente. Achavam-no biruta, um velho enxerido, uma sucata de palhaço fora de moda. Principalmente nos dias atuais em que o tipo de diversão e humor era outro. Geléia, porém, não sabia fazer outra coisa. Mesmo que ninguém risse com suas piadas antiquadas e puras, sem apelação, insistia em morrer palhaço. Achava haver recebido de Deus a graça em fazer o mundo menos amargo.
Uma tarde, abordado por policiais, foi conduzido à delegacia. Tomara cachaça e dizia palavrões. Interrogado, respondeu haver bebido por sentir saudade do circo. Foi liberto. Cheio de graça, voltou ao calçadão.