“A narração transcorre pela pessoa que recebeu diretamente e em circunstâncias que ignoro, a confidência dos principais personagens deste drama único.“
José de Alencar
José de Alencar
Aurélia é uma moça linda, de origem humilde, vivendo com muitas privações e cuidando da mãe doente. É uma filha dedicada à família e trabalhadora.
Seixas, o seu par na história, é arrimo de família, contando 18 anos. Abandonou a faculdade e viu-se logo cedo na incumbência de trabalhar para prover o sustento das irmãs e da mãe. São pobres e sacrificados de forma que um amigo da família consegue um emprego para o rapaz em uma repartição pública. Apesar de pobre, aprecia levar uma vida de rico, frequentando a sociedade, vestindo-se bem e acompanhando a moda. Tem boa índole, é bonito e honesto. Apaixona-se por Aurélia, faz a corte e tem boa convivência, o que é natural em um casal apaixonado. São muito felizes até o dia em que um senhor se aproxima do rapaz e lhe afirma que tem uma linda filha, que está com um namoro que não lhe agrada de todo. Sendo direto com Seixas, oferece-lhe um dote de 30 contos de réis, caso ele aceite se casar com a filha.
Endividado com os gastos da família e com as suas despesas pessoais, Seixas, mesmo apaixonado por Aurélia, vê-se atraído pela proposta do então senhor. Vai ter com Aurélia para acabar o noivado e, de maneira sincera, conta-lhe toda a verdade tal e qual havia se passado. Usa também como excusa ter nascido de origem humilde, que precisa do dote para pagar dívidas e acertar a vida financeira dele.
Nesse ínterim o avô de Aurélia, um rico fazendeiro, morre e deixa toda a herança para a única neta que ele havia abandonado após a precoce morte do seu pai. Como reparação à sua ausência, ele escreve uma carta na qual lhe pede perdão por toda a falta de atenção a ela concedida.
A partir de então, Aurélia, rica, pede ao seu tio, Sr. Lemos, que entregue uma mensagem para Seixas pedindo-lhe em casamento e, ao mesmo tempo, oferecendo-lhe um dote no valor de 200 contos de réis. Ressalta que é importante o tio não revelar a identidade da pretendente.
Apesar reverter a situação e ainda em tempo de resgatar seu ex-noivo, Aurélia está muito rancorosa. De certa forma, sua tristeza decorre do fato de ter sido abandonada duas vezes: a primeira vez pelo avô, quando negou a ela a devida assistência; a segunda, quando Seixas a trocou por um dote de 30 contos de réis.
Ao receber a missiva das mãos do tio de Aurélia, Seixas se satisfaz com a proposta e pergunta ao Sr. Lemos quem deseja desposá-lo. Obtém como resposta a condição da assinatura de um contrato para posteriormente conhecer a sua futura noiva.
“Firmou-se pois Seixas nesta convicção de que o luxo era não somente a porfia infalível de uma ambição nobre, como o penhor único da felicidade de sua família. Assim dissiparam-se os escrúpulos.“
No esperado dia de conhecer a sua futura noiva, Seixas está visivelmente ansioso e qual não é a sua surpresa ao se deparar com a figura de Aurélia, sua ex-noiva, agora muito rica. Simultaneamente aos sentimentos de comoção e felicidade, ficam transparentes em seu rosto o desconforto e a vergonha perante a situação.
Aurélia faz entender que incumbiu o seu tio de escolher-lhe um noivo e que não tinha ideia de quem seria o escolhido. Seixas acredita e tudo fica bem resolvido, pelo menos para ele. Aurélia propõe que ambos apaguem as memórias do passado, esquecendo tudo o que ocorreu anteriormente.
A consciência pesada de Seixas não o deixa sossegar um só minuto fazendo-o pensar consigo mesmo que Aurélia sempre duvidará do amor dele, por sua atitude de ter-se vendido por um dote.
Em noite nupcial, sem deixá-lo aproximar-se de si, Aurélia friamente afirma em voz calma e resoluta que ele é um vendido e que ela é uma noiva abandonada. Retrai os carinhos do marido e o encaminha para o quarto contíguo. Faz perceber a Seixas que o contrato que ambos assinaram é um negócio e que ele deve cumprir socialmente o seu dever de marido. Nenhuma proximidade conjugal se efetivará. Perplexo, Seixas recolhe-se ao seu aposento.
Fingem, perante todos, uma convivência feliz. Ele se retrai à condição de marido comprado, sempre solícito ao acompanhá-la em passeios diários aos jardins da bela casa, como também indo a bailes e teatros.
São parceiros em todos os momentos e, gradativamente, a convivência e o cotidiano os aproximam, convergindo para uma real harmonia. Conseguem regenerar o carinho mútuo e a condição de apaixonados, mas jamais demonstrando, um ao outro, os seus reais sentimentos.
Um dinheiro que havia aplicado ainda como solteiro em ações de uma mina de cobre premia-lhe com um bom dividendo, inesperado e bem-vindo lucro financeiro. Apesar de amar Aurélia sinceramente, a condição de marido subjugado lhe impôe uma reparação. A partir daquele momento deixa a condição de servo. Propôe a separação a Aurélia, devolvendo-lhe o dinheiro da época do noivado como quitação da dívida. Nesse momento a moça, muito apaixonada, ajoelha-se aos pés do marido pedindo-lhe perdão e os dois consumam o verdadeiro amor que sentem reciprocamente.
O livro “Senhora“ foi escrito por José de Alencar, patrono da cadeira fundada por Machado de Assis na Academia Brasileira de Letras. Sua obra é dividida em grupos distintos, entre eles Romance, Realismo e Regionalismo.
“Senhora” tem quatro partes — intituladas "O preço", "Quitação", "Posse" e "Resgate" — e apresenta uma narrativa que permeia traços de realismo, tais quais críticas à avareza, à vaidade e à falta de ética da aristocracia fluminense no século XIX. Retrata o processo de uma transação mercantil, um casamento arranjado como meio de ascensão social, que é o tema principal da história. No início da leitura nos parece pouco provável uma conciliação entre os dois personagens, mas à medida que o enredo se desenvolve um traço generoso, amoroso e de atração entre eles nos faz mudar de opinião. A leitura é mais do que recomendada, principalmente pela narrativa de José de Alencar.