Uma amiga tem chorado e dormido mal nos últimos dias. Não, o motivo não é a covid-19, que provoca temor e ansiedade mas já não arranca lág...

A parte mais fraca

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Uma amiga tem chorado e dormido mal nos últimos dias. Não, o motivo não é a covid-19, que provoca temor e ansiedade mas já não arranca lágrimas a não ser daqueles que perderam seus entes queridos. O motivo é a morte do menino Henry, que foi supostamente torturado e assassinado pelo Dr. Jairinho (a imprensa bem que podia cortar esse diminutivo, que soa irônico).

A televisão vem detalhando o caso e despertando nas pessoas piedade e furor. O que mais impressiona é o descompasso entre a fragilidade do garoto e a compleição física do seu presumível algoz. Os detalhes revelados pela empregada da família sugerem que as agressões vinham já de algum tempo. E ocorriam a portas fechadas num dos cômodos da casa, onde se aumentava o som da televisão para que nada fosse ouvido.

É inevitável comparar a morte de Henry com a tragédia de Isabella Nardoni. Essa última teria sido mais grave por o assassino ser o pai, mas a de Henry não fica atrás no que se refere a grau de parentesco: a mãe do menino sabia da violência e aparentemente a tolerava – o que a tornaria cúmplice. Como ela podia suportar os maus-tratos aplicados ao filho e conviver com o responsável por eles é um desses mistérios que só confirmam a complexidade da alma humana.

Pelo que revelaram as gravações, Henry parecia um estorvo na vida do casal. O suposto assassino chegou a dizer ao menino que ele “atrapalhava” a mãe. Queria despertar nele a culpa, acrescentando às agressões físicas o sofrimento psicológico (que dói bem mais).

O fato é que Henry parecia “sobrar” numa família que se esfacelou e não deixou lugar para ele. Dividido entre duas ou três casas, procurava inutilmente um pouso entre pessoas voltadas para seus projetos de vida e que não podiam satisfazer as demandas daquele garoto ansioso e carente. A mãe lhe dava ansiolíticos, mas parecia negar-lhe a terapêutica principal: o afeto e o cuidado necessários para lhe diminuir a solidão.

Há quem diga que, em função dessa tragédia, deve-se repensar o modelo de família que envolve padrastos e madrastas. É conhecida a dificuldade de aceitação desses novos membros pelos filhos, pois eles vêm “tomar o lugar” de seus pais ou mães verdadeiros.

A questão não é essa. Há casos em que os novos arranjos funcionam bem. O que se deve discutir é o direito de pessoas sem preparo, sem propósito e mesmo sem vocação se disporem a botar filhos no mundo. Compreende-se que os casamentos se desfaçam. Causa estranheza é que, no rastro dos desmontes conjugais, ligações que deveriam se alicerçar no amor (como a dos pais com seus filhos) se desfaçam por obra do egoísmo e da indiferença.

Enquanto isso ocorrer, haverá pessoas perdendo o sono e derramando lágrimas ao evocar o sacrifício da parte mais fraca.

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