No período quaresmal, os preceitos da Igreja rigorosamente obedecidos. Quarta-feira de cinzas, recebíamos traços da cruz na testa: “Lembra-te de que és pó, e em pó te haverás de tornar”. Alguns, ainda bêbados, entravam no templo, faziam persignações inconscientes.
A sentença dita pelo frade franciscano impressionava: os participantes da missa ficavam cabisbaixos, pensativos, temendo e meditando sobre os chamados “Novíssimos”, hoje atualizados por um linguajar mais ameno que exalta a conversão e a adesão ao Evangelho.
As imagens de santos cobertas em pano roxo. Da cabeça aos pés. Na Semana Santa, as exigências se tornavam maiores. Não era permitida qualquer brincadeira. Quarta de Trevas, Quinta do Lava-pés, Sexta Santa ou Maior, Sábado de Aleluia, Domingo de Páscoa. Guardava-se uma experiência de fé exageradamente litúrgica, de preceitos, de medos e mistérios. Por exemplo, “procuravam” a “aleluia” como quem procura o Santo Graal. A lavadeira dizia, convicta, que se a “aleluia” não fosse encontrada aconteceria o fim do mundo previsto nas Escrituras. A “aleluia” personalizada pela crendice. Diziam ser um livro misterioso e retido ao domínio exclusivo do clero.
A Quaresma da minha infância e de meus contemporâneos era um período de silêncio no mundo. Como se a terra parasse de girar.