Dois banquinhos de madeira carcomida. Sobre um deles uma meiota de cachaça, o copo de pequenas dimensões apropriadas às suas funções, o pacote improvisado com os inseparáveis cigarros de manufatura caseira — os “pés-de-burro” — a caixa de fósforos, duas laranjas cravo para rebater os arrepios depois dos goles da água que passarinho não bebe. Noutro ele, acomodado, tecendo a rede de pesca tendo à frente aquela imensidão de águas mansas tingidas de limbo e o cheiro de sargaço trazido à praia pelo regime das marés. Pressa? Nenhuma! Nove ou dez trançadas com seus fios de nylon na composição daquela teia e uma talagada de cana, um gomo de laranja cravo e uma longa baforada no pé-de-burro. Mais dez pontos na rede e outra baforada. Bem mais à frente outro gole da “marvada”.
E por aí ia, sem regularidade alguma, tecendo, fumando e de quando em vez uma molhadinha na garganta. Sente-se observado já de algum tempo. Uma figura bem composta, bermuda, tênis, meias e camiseta, tudo de marca. Óculos escuros também.
— Incomodo? — pergunta o forasteiro.
— De jeito nenhum.
— A rede é de encomenda ou é para o senhor mesmo?
— É pra mim. Fazendo pra pescar quando ficar pronta. Por que, senhor?
O tal “senhor” encheu-se coragem e revelou ao velho pescador o que o estava incomodando.
— Acho que o senhor poderia ir um pouquinho mais depressa. Não acha?
— É verdade, poderia sim. Malha grossa dá pra ir mais depressa. Mas, pra quê?
— Ora, ela ficando pronta, o senhor pode pescar todos os dias. Com sorte pode ter um bom lucro e economizar para tecer outra rede.
— Também acho, mas pra quê?
— Se mantiver um bom ritmo de pesca e sempre que puder ir tecendo suas redes, poderá contratar pessoas para pescar para o senhor.
— Não é que ia ser bom! Já pensou, gente trabalhando para mim? Mas me diga: pra quê?
— Com um bom número de redes ao seu serviço, vai ter um bom lucro e se souber economizar poderá comprar um barco desses aí, com motor a diesel.
— Verdade. Mas pra quê?
— Se tiver um espírito empreendedor... Sabe o que é espírito empreendedor? Vai ter bons rendimentos e poderá adquirir um barco frigorífico. Nunca pensou nisso?
— Pensei não! Iria ganhar bastante dinheiro. Mas pra quê?
O homem foi se irritando.
— Ora pra que ganhar muito dinheiro? O senhor poderia montar uma industria no ramo de pesca, vender seu produto com muitas vantagens agregadas. Pode ficar muito rico. Rico como eu!
Então o pescador deu mais uma talagada, puxou a fumaça do pé-de-burro e...
— Mas pra que ficar rico como o senhor?
— Porque vai poder fazer o que eu estou fazendo, tirar dez dias de férias e estar aqui em frente a esse mar, sem preocupação, e me desculpe, ficar à toa por uns dias.
— Fazendo o que mesmo, senhor?
— Nada, absolutamente nada! Só curtindo o sossego.
— O senhor vai me desculpar. Precisou trabalhar muito pra ficar rico e poder vir aqui, passar uns dias curtindo esse sossego?
— Isso mesmo!
Então, o pescador...
— O que o senhor acha que eu estou fazendo aqui e agora?