Quando li pela primeira vez “Grande sertão: veredas”, de João Guimarães Rosa, fechei o livro atordoado porque me levou a caminhos desconhecidos da alma, a partir das inquietações de Riobaldo e Diadorin. Percebendo que desejavam incessantemente o Deus da vingança e menos o Deus do amor, fui buscar a resposta em outras leituras.
Nunca me despedi desta obra-prima. Quando da leitura de quarenta anos atrás, fechei o livro desnorteado para retornar dez anos depois, sem conseguir abandoná-lo. Nessa década que o deixei adormecido, caminhei por outras veredas da literatura, encontrei a trilha da teologia para tentar entender o mistério de Deus e, mais leve, retornei aos caminhos gerais do grande sertão de Rosa.
O livro que abre muitas veredas ao entendimento de Deus, porque o autor fez de Riobaldo, o “teólogo narrador”, que tenta decifrar o mundo do sertão bravio ao redor, enquanto conduz o leitor a acompanhar o misterioso romance com Diadorin, mas percebe-se que ambos buscam eliminar o mau, o diabo que está na rua, “no meio do redemoinho”. Isso tumultuou meu pensamento acerca da existência de Deus, porque permitia que tudo aquilo acontecesse. Em meio as interrogações, como a perguntar e responder: “Como não ter Deus?!” Deus existindo, em tudo há esperança: sempre um milagre é possível, então o mundo se resolve. “Mas, se não tem Deus, há de ter gente perdida no vaivém e a vida é burra”.
O “teólogo” Riboaldo, ao seu modo, tenta desvendar o mistério de Deus, sabe que esse dá confiança e esperança ao bando que o segue, fazendo entender que sem Deus, tudo afraca. Deus sempre vem com coisas mais altas, repaga com juros os benefícios da gente porque “os juros Dele não obedece medida nenhuma”. Quando afirma que Deus é alegria e coragem, Riboaldo aviva as esperanças dos companheiros e lembra que Ele é bondoso e paciente, “o contrário é o diabo”.
Para chegar ao entendimento de “Grande sertão: veredas” é preciso buscar outros caminhos e, passando pela literatura sapiencial, cheguei a Fiódor Dostoiévski, este autor que tentou desvendar o subsolo da alma humana.
Como ressalta Herman Hesse: “Devemos ler Dostoievski quando estamos mal, quando sofremos até o limite do suportável e sentimos a vida como uma ferida total, corrosiva e ardente. Nesse momento deixamos de ser espetacdores, e tornamo-nos apenas irmãos desses pobres desgraçados a que ele deu vida nas suas criações, e conseguimos então colher a música, a sua consolação, o significado admirável do seu mundo”.
Muito da obra de Dostoievski revela que cada coração guarda um resto de poeira do mal, mas também um vestígio do bem como remédio. Foi penetrando na obra do escritor russo que me aproximei de Riobaldo para entender o amor camuflado por Diadorim, e sua luta para vencer as maldades humanas que povoam seu sertão.
Voltarei outras vezes a este romance para tentar desvendar seus mistérios, os mistérios da alma humana.